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blogue atlântico

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22
Mar08

AJP Taylor chamado à recepção

Henrique Raposo
Estudos de História Contemporânea

 

[Atlântico 35]


A historiadora M. Fátima Bonifácio reuniu aqui um conjunto de artigos e conferências publicados e proferidas entre 1993 e 2006. Este conjunto disperso de peças (destacamos «Saldanha: uma vida feliz» e «Fronteira: um aristocrata no cabralismo») é percorrido por um propósito comum que oferece uma identidade ao livro. Que propósito? Resposta: recuperar e redignificar a história política clássica, a «velha história» nas palavras da autora. Aliás, este livro pode ser visto como uma blindagem epistemológica colocada em redor da velha história política, a fim de a proteger dos excessos científicos das escolas estruturalistas (que tentaram flanquear a Política através do determinismo económico) e dos excessos anti-científicos das escolas pós-modernas (que tentarem flanquear a Política através, digamos, da parvoíce elevada à cátedra).

Existe uma espécie de aristocracia epistemológica em todas as ciências sociais. É aquela aristocracia que considera ser possível tratar os homens como se estes fossem partículas químicas dentro de um tubo de ensaio. Na História, esta aristocracia consubstancia-se nas correntes estruturalistas (marxistas, marxistas sem cafeína como Braudel, alguns liberais cafeinados na Áustria, etc.) que tentam decifrar as «grandes estruturas», as «grandes forças», os «grandes processos» que - supostamente - conduzem a história para um fim pré-determinado. Como diz a autora, no lugar de narrar situações concretas e homens reais, esta história estruturalista dedica-se ao exercício especulativo (e infalsificável, acrescentamos nós) de antecipar o futuro através da decifração das estruturas. Assim um pouco à imagem dos antigos, que decifravam o devir olhando para as entranhas da passarada.


Na busca das famosas causas «objectivas» para o comportamento dos homens, esta história estruturalista eliminou a individualidade e a subjectividade; transformou os homens em títeres de uma totalidade estrutural acima da própria vontade humana. Contra isto, Bonifácio afirma que o indivíduo continua irredutível. Ainda não foi (nem será) inventado um método de estudo válido com a capacidade de eliminar a liberdade dos homens enquanto elemento decisivo na História. Por outras palavras, Bonifácio convoca, de forma agradavelmente explícita, o legado de A.J.P. Taylor. O decano da velha história seguia sempre uma pergunta simples: «o que aconteceu a seguir?». Responder a esta questão implica ter como método historiográfico a boa e velha narração, o único método que dá sentido a um mundo de homens livres e não de um Homem sentadinho no conforto da Teoria.


Nestas críticas ao estruturalismo, convém alertar, Bonifácio nunca entra no terreno do pós-modernismo. Criticar o determinismo estruturalista que abole a livre arbítrio não significa o desprezo pós-moderno pela realidade empírica que serve de palco ao livre arbítrio dos homens. Os homens são livres, mas não são flutuantes. Actuam sobre uma realidade empírica que convém não desprezar. Bonifácio não diz que apenas existe a subjectividade dos homens e que tudo é relativo porque só existem interpretações (o próprio conceito de facto empírico desaparece no pós-modernismo).


O choque entre mundo empírico/estrutural e liberdade/agência dos homens não pode ser resolvido à partida: «saber onde acaba o determinismo e onde começa o livre arbítrio não é uma questão teoricamente solúvel, é uma questão eminentemente prática que, por conseguinte, só pode ser analisada em cada situação concreta» (p. 212). Não há, parece-nos, maior lição para quem estuda política, seja em que disciplina for. Os homens são seres livres, mas também são seres historicamente situados. Há leis universais (que remetem para a liberdade de escolha) e leis históricas (que remetem para as imposições estruturais). Estas duas leis vivem em tensão dentro da cada homem, dentro de cada decisor político. Esta tensão não tem resolução à priori; tem de ser investigada empiricamente em cada caso concreto. É isso a história política.

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