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blogue atlântico

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30
Mai08

Know the enemy

Atlântico

 

 

Omar Nasiri, Infiltrado na Al-Qaeda. Relato de um espião, Lisboa, Tinta-da-china, 2007, 451 PP.

por Alexandre Homem Cristo

Uma obra – alegadamente – escrita por um antigo espião dos serviços secretos europeus, que pretende retratar o funcionamento de uma rede terrorista como a Al-Qaeda, coloca-nos uma série de questões sobre a fiabilidade das informações que apresenta. A verdade é que não nos é possível confirmar qualquer um dos factos ou episódios descritos, nem sequer verificar as ligações que o autor terá tido junto dos serviços secretos franceses e ingleses. Assim sendo, a única forma de encarar esta obra é enquanto romance formatado para best-seller, embora seja certo que a obra está recheada de dados válidos (mas também é verdade que não é preciso fazer uma infiltração num campo de treino no Afeganistão para lhes aceder).


Dito isto, é forçoso reconhecer que a informação que o autor compilou sobre o tema é vasta e suficientemente completa para chamar à reflexão do leitor sobre questões que ultrapassam as fronteiras do estilo da obra. A questão que nos parece ser a mais importante surge aquando das diversas interrogações interiores do autor acerca da identificação do inimigo, i.e., quem é o inimigo, quem é o inocente e como distingui-los: «Ninguém se importava com as pessoas do comboio atingido. Seriam inimigos, ou vítimas inocentes? Que justificação poderia haver para aquele tipo de ataques?» (p. 234). Ora, as regras da jihad são claras: é infiel (inimigo) quem procura matar ou ameaçar a existência de um muçulmano, ou ainda aquele cujo auxílio contribuiu para esse efeito. A compreensão extrema desta máxima torna inimigo qualquer cidadão ocidental e transforma a jihad num combate pela destruição do Ocidente. A isto agrava-se a sustentação religiosa da máxima, que mascara a violência com o cumprimento da vontade de Deus, imune a qualquer contestação. A jihad é uma guerra moral, e não reconhecendo sequer a humanidade do seu inimigo, justifica a indiferença perante as vítimas dos vários ataques terroristas. Se o infiel não tem dignidade humana, a sua morte é indiferente. A questão é que, devido à ignorância e falhas de informação dos nossos serviços secretos, a tendência ocidental é a de fazer o mesmo, aderindo à guerra moral. “We will win. Good will overcome evil”, disse Bush. Para derrotar o Mal, tudo é justificável. Destruir o Mal parece sempre justo.

 

Caímos então na armadilha para a qual Carl Schmitt, teólogo alemão do século XX, nos avisou: se não reconhecermos o nosso inimigo como um igual, e lhe atribuirmos a condição de inimigo por razões morais, rebaixando-o comparativamente a nós, entramos numa guerra moral, em que não bastará afastar a ameaça do inimigo; há que destruí-lo. Esta é, por isso, a mais violenta de todas as guerras, e para a qual teremos de nos preparar, se não compreendermos o nosso inimigo.

 

 

[Publicado na Revista Atlântico]

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