Livros Atlânticos (3)
Os homens criam, os deuses queriam
Paul Johnson, Criadores, Lisboa, Alêtheia Editores, 2007 (2006), 387 PP
por Nuno Amaral Jerónimo
A imaginação é mais importante que o conhecimento. Palavras de Einstein. Da mesma autoria, “o segredo da criatividade é saber como esconder as fontes”. Em Criadores, Paul Johnson promete-nos descobrir as nascentes de alguns dos percursos mais criativos da história da cultura ocidental. Dezassete criadores em treze ensaios, de Chaucer a Walt Disney. E um posfácio dedicado aos cientistas.
Johnson, que escreveu em 1988 um relato amargo sobre as contradições entre o pensamento público e o comportamento privado dos intelectuais (Intelectuais), descreve de forma bem mais exultante as condições socio-biográficas da criação artística. Tal como a trilogia de Daniel Boorstein (Os Pensadores, Os Criadores e Os Descobridores), estes dois volumes sobre intelectuais (pensadores e criadores, distinção mais clarificadora já usada por Boorstein) antecipam um anunciado Heróis. Juntos constituirão um trio de volumes sobre a intervenção individual na construção do mundo.
Johnson debruça-se sobre a criatividade de forma tão erudita como espalhafatosa. O historiador grave de História do Judaísmo ou de O Renascimento dá lugar a um ensaísta maravilhado com a criação artística que nos apresenta. Ainda maravilhado, porque somos informados à saciedade, muitas vezes de forma quase adolescente, que o autor conhece aquelas obras há muitos e muitos anos. E que, ainda assim, continuam a fascinar. Prova da importância e da eternidade desses trabalhos. O autor idolatra Shakespeare e adora Chaucer, Mark Twain e Bach, admira o trabalho de Dürer, a escrita de Jane Austen, a costura de Balenciaga, as criações de Walt Disney. O caso deste último é curioso. Johnson junta no mesmo ensaio, e como contraponto, Disney e Picasso, natureza e modernidade. Johnson manifestamente despreza a obra do pintor malaguenho (que diz ter invertido a fórmula clássica das “belas artes” de utilizar 10% de novidade e 90% de habilidade) e não hesita em exibir traços detestáveis da sua personalidade para o demonstrar. O entusiasmo do autor sobre as mentes criativas reflecte-se obviamente nos seus julgamentos. O que não diminui a obra. Pelo contrário, é a sua força.
Paul Johnson usa a biografia e o contexto histórico para revelar as condições de criatividade. A paixão, a concentração, a transformação do real no simbólico e a capacidade de trabalhar arduamente, mas também os acasos e as contingências. Austen, se fosse uma rapariga bonita, não teria tido dificuldade em casar, mas não teria escrito nenhum dos seus romances. Talvez o maior fascínio de Johnson esteja na utilização de um idioma. Ferramenta de uso comum e universal, uma língua torna-se diamante eterno na cabeça criativa de um génio.
Se Chaucer inventou a inglesa, Shakespeare imortalizou-a e Twain popularizou-a.
[Publicado na Revista Atlântico]