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31
Mai08

Livros Atlânticos (5)

Atlântico

As extremidades deram o nó

 

 

Nick Cohen, What’s Left – How Liberals Lost Their Way *, London, Fourth Estate, 2007, 405 pp.

 


por Nuno Amaral Jerónimo


Numa entrevista ao Expresso no início de Junho, Mário Soares aconselhou ao governo um pensamento mais à esquerda. O pensamento «à esquerda» de Soares é dominado pelo ódio visceral aos Estados Unidos e ao «neoliberalismo», invenção demoníaca, causa do Mal desde Sodoma e Gomorra. Como consequência, Hugo Chávez surge como uma espécie de campeão em título das lutas dos mais pobres e o multiculturalismo torna-se dogma de fé, resignando Soares à condição social das mulheres islâmicas, em nome do «direito à diferença».


Foi este pensamento mais à esquerda que levou Nick Cohen a repensar o seu lugar e as suas companhias no espectro político. Cohen cresceu na crença da superioridade virtuosa das boas intenções da esquerda. O fim do século XX e o início do século XXI foram para si, nessa medida, um choque. A esquerda radical esqueceu os princípios universais de defesa dos mais desfavorecidos e entrou numa espiral de contestação às sociedades ocidentais. A conquista da liberdade e a melhoria das condições de vida deixaram de ser os objectivos da luta política da esquerda. Ficou o ódio aos Estados Unidos e o rancor lançado sobre as sociedades mais livres e mais prósperas. Ficaram as justificações (e absolvições) dos actos de ditadores como Saddam Hussein e dos terroristas islâmicos. Ao perceber esta lógica de que os inimigos dos meus inimigos, meus amigos são, Nick Cohen arrepia-se com esta nova argumentação dos que sentiram como derrota a prosperidade das nações debaixo do capitalismo e do mercado.


A esquerda tropeçou primeiro na armadilha do relativismo. Para não ofender uma minoria, não se critica nada que faça ou possa fazer. Cohen ilustra de uma forma divertida como o academismo pós-moderno enredou o discurso político da esquerda anglo-saxónica. A legitimidade do Outro é a diferença. A seguir, a esquerda estatelou-se na defesa intransigente do pacifismo. Defender a paz é uma coisa, defender a manutenção de Saddam no poder é outra, diz Cohen. Criticar o modo como a invasão do Iraque foi preparada é legítimo, considerar os bombistas que infestam Bagdad e matam milhares de civis iraquianos como “insurgentes” e “resistentes à ocupação” é má fé.


What’s Left é um livro corajoso sobre o distanciamento do autor em relação a antigos companheiros de percurso político. Organizado de forma um pouco vagabunda, muito por força de ser um relato na primeira pessoa e não um trabalho académico, mas sempre bem ilustrado com exemplos e com uma erudição histórica pouco comum, o livro de Nick Cohen é o de um homem que não renega a tradição das ideias iluministas. Cohen está, isso sim, comprometido com a honestidade intelectual e com um pensamento sistemático sobre ideias que sabe não partilhar com muita gente à esquerda.

 

-

 

* What’s Left – How Liberals Lost Their Way, foi posteriormente a esta recensão traduzido e editado em Portugal com o título O que resta da Esquerda?

 

 

[Publicado na Revista Atlântico]

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