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blogue atlântico

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26
Ago07

Diz que é uma espécie de separação de poderes

Henrique Raposo

DE: Atlântico


PARA: Primeiro-Ministro, Presidente do Tribunal Constitucional e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça


Perguntamos aos nossos leitores: sabem os nomes dos presidentes do Tribunal Constitucional (TC) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)? Não sabem, pois não? Não se assustem. Nós também não sabíamos. Foi preciso recorrer a uma SMS amiga para ficarmos a saber os nomes de Suas Eminências: Rui Moura Ramos e Noronha Nascimento.


Caríssimo Presidente do TC, Caríssimo Presidente do STJ, o parágrafo inicial serve para ilustrar uma realidade preocupante em Portugal: os juízes portugueses não são figuras com imediato reconhecimento público. Entre nós, os juízes são pessoas semi-clandestinas, ausentes do escrutínio público. Não há muitas diferenças entre um juiz e um qualquer alto funcionário público. Aliás, esse é o problema: a justiça, em Portugal, é encarada como mais uma secção burocrática do Estado (igual à Educação ou à Saúde) e não como o Terceiro Poder institucional. Em Portugal, a Justiça é mais uma peça da besta estatal e não o mecanismo que fiscaliza, a partir do exterior, essa besta. E esta questão passa sempre incólume, meus caros. Fala-se muito pouco de justiça em Portugal. E quando se fala, a questão fica reduzida a meros arranjos burocráticos (férias, condições físicas dos tribunais) e a escândalos mediáticos. Repare-se no escândalo das câmaras municipais. Tendemos a considerar o assunto como um escândalo político. Mas será mesmo um escândalo político? Não será, antes, um escândalo judicial? No marasmo da nossa justiça, ninguém é culpado ou inocente a tempo e horas. Se a justiça resolvesse rapidamente os casos pendentes, os Valentins não teriam tempo para concorrer às eleições (ou teriam, caso fossem declarados inocentes) e as dúvidas sobre os Carmonas seriam rapidamente sanadas.


É esta incapacidade da justiça que tem conduzido Portugal a este clima de torpeza política, em que a desconfiança e a justiça popular-televisiva substituíram os tribunais. Caríssimos Moura Ramos e Noronha Nascimento, este problema pode não parecer mas é muito grave: a figura do Juiz deve ser a mais digna e importante numa democracia liberal constitucional. Os senhores não podem ser figuras semi-clandestinas. Os senhores têm de estar no centro da ordem institucional. Os senhores são mais importantes do que qualquer líder da oposição.


O nosso caríssimo PM, que até tem sido o Grande Reformador do Reino, poderia aproveitar esse ímpeto reformadora para reformar a Justiça e, acima de tudo, a relação da Justiça com o Poder democraticamente eleito. Caro José Sócrates, os juízes em Portugal são como funcionários públicos, mas com vestes de quem canta o fado em Coimbra. Ninguém sabe quem são e o que pensam. Em Portugal, por exemplo, passa-se algo que é, no mínimo, constitucionalmente estranho: juízes nomeados para um cargo de nove anos (TC) não são sujeitos a um processo de inquérito público no parlamento. Ninguém lhes pergunta publicamente “o que pensam sobre a Constituição?”, “o que acham das leis X, Y, Z?”, “a sua posição sobre os assuntos delicados A, B e C?”. Este inquérito parlamentar – obviamente auscultado pela imprensa – é a praxis comum em todas as outras democracias. Por que razão não acontece em Portugal? Nós, cidadãos portugueses, temos o direito de conhecer o perfil dos nossos juízes. Os juízes têm o dever de sair do anonimato. Os políticos têm o dever de forçá-los a sair da toca.


Depois, importa rever as regras de nomeação dos juízes para o TC, por exemplo. Em treze juízes, dez são nomeados pelo parlamento. Isto é perigoso porque tem conduzido a uma espécie de monopólio do bloco central sobre a nomeação dos nossos juízes constitucionais. Ou seja, temos dois partidos e não o Governo ou o Presidente a nomear os juízes. É absolutamente recomendável que o Presidente da República assuma um papel de maior relevo na nomeação dos juízes. Isto evitaria a actual partidarização da nomeação. Os partidos sentados na assembleia não têm, per se, legitimidade democrática para nomear um juiz. Essa acção deve pertencer a um órgão de poder em exercício (mais o Presidente da República, menos o Governo).


Para terminar, um juiz nomeado para o TC tem de encarar esse cargo como o culminar da sua carreira. Um juiz não pode, em qualquer parte de mundo civilizado, sair o TC e ingressar no Governo. Aquilo que se passou com Rui Pereira não é digno de uma democracia civilizada: nomeado há dois meses (pelo PS) para um cargo de nove anos, Rui Pereira foi chamado ao Governo para servir como ministro. Não está aqui em causa o carácter de Rui Pereira, certamente uma pessoa recomendável. Mas a vida pública não tem que ver com o carácter individual, mas sim com as regras constitucionais. E uma constituição que permite esta, digamos, osmose institucional entre poder judicial e poder executivo é uma constituição inconstitucional. Esta confusão só foi possível porque um partido controla, ao mesmo tempo, a nomeação de juízes e a nomeação de ministros. Separação de poderes? Ring any bell?


Pense nisto, caro PM. E pense como PM de Portugal, não como secretário-geral do PS.

Memorando Atlântico, 28

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