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blogue atlântico

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28
Jan08

Olhar o Islão

Alexandre Homem Cristo
Li o artigo de Miguel Sousa Tavares (MST) no Expresso desta semana, e deparei-me com uma grande falta de precisão na abordagem do problema do terrorismo islâmico. De acordo com o seu artigo, MST reflecte várias vezes sobre o porquê da queda daquela que era uma civilização brilhante, a civilização árabe na península ibérica, e interroga-se se teremos de pedir desculpa pela queda de Granada (1492), pela Revolução Francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1789), ou se teremos mesmo que regredir à Idade Média, para que deixemos de ser perseguidos pelo terrorismo islâmico. A sua interrogação não faz sentido, por razões até bastante óbvias.

(1) A suposta pretensão dos terroristas islâmicos em recuperar as terras perdidas desde o século XV, nomeadamente o Al-Andaluz, não passa de discurso propagandístico, que, por definição, serve para alimentar o ódio e a vontade de vencer o inimigo (neste caso nós). É através deste tipo de discurso que muitos jovens muçulmanos são atraídos para a causa, e se oferecem para dar corpo às redes terroristas. E é por isso que eles o usam.

Já foi, aliás, assumido em declarações públicas das chefias da Al-Qaeda, que os ataques continuarão enquanto os infiéis (nós, outra vez) não abandonarem o Médio Oriente. E o ponto é esse: eles vêem o Ocidente (e em particular os EUA) como o invasor que destrói a ordem local e impõe uma nova, e que exerce o seu poder superior para dominar os outros (eles, os muçulmanos). Se o problema fosse realmente uma questão de ressentimento histórico, os taliban não teriam cooperado com os EUA contra a URSS.

Vejamos agora dois casos: a cooperação dos EUA com o Afeganistão contra a URSS e recente a invasão do Iraque. No primeiro, a cooperação serviu os interesses de ambos, e com sucesso (quem tiver dúvidas, basta ver o argumento do Rambo III). O problema só surge quando os EUA, com o trabalho já feito, deixam o Afeganistão à sua mercê, e a ter de lidar com refugiados e com uma situação social grave. Nasce então o ressentimento tipo “eles usam-nos para satisfazer os seus interesses e depois vão-se embora”. No segundo caso, o da invasão do Iraque, notamos que os americanos são apreciados pela população iraquiana até às semanas que sucedem a queda do regime de Saddam, e que quanto mais tempo os americanos lá passam, menos apreciados são. Com o prolongar da ocupação, a acusação de imperialismo faz-se imediatamente sentir, e o ressentimento cresce. É daqui que vem o ódio, e não da queda de Granada. É uma forma de resistir a uma potência dominante. E o terrorismo é uma forma extrema e desumana de o fazer, com argumentações religiosas que servem essencialmente o propósito de mascarar as políticas.

(2) É preciso prudência no modo como se aborda todo o problema do terrorismo, e fugir às insinuações do estilo “nós somos mais evoluídos que eles”. Não existe uma mesma linha histórica a percorrer, pelo que o argumento historicista não funciona. Por isso, nós regressarmos à Idade Média não resolveria nada. É apenas um argumento simples e desfasado da realidade. Aliás, a ligação deste argumento à ideia de ressentimento histórico é evidente, o que só por si desfaz o seu valor. Mesmo assim, e porque é um argumento que ecoa tanto em universidades como em tascas, vale a pena perdermos algum tempo com ele.

Olhar para o Islão com os nossos olhos é cometer um erro básico de etnocentrismo. A diferença não significa inferioridade e a barbárie existe dos dois lados. Uma leitura das Lettres Persanes de Montesquieu demonstra-o na perfeição.

Ainda, a visão que os países islâmicos têm da democracia e dos seus valores, de acordo com os World Value Survey de 2000-2002, é muito próxima da que os próprios ocidentais têm. A democracia é tão desejada aqui como lá. A dificuldade é que o islamismo tem perspectivas, muitas vezes, conservadoras da sociedade (liberdade de género, por exemplo), o que dificulta a implementação generalizada da democracia. É aqui que os líderes políticos muçulmanos se têm de concentrar: até que ponto a omnipresença da religião, sobretudo na política, os prejudica. É uma questão de adaptação e evolução, é certo, mas nunca numa lógica comparativa.

(3) Finalmente, um ponto que convém relembrar sempre é que os radicais islâmicos são uma muito pequena minoria no Médio Oriente, que não deve ser confundida com a restante população. Uma minoria que também ataca os seus quando estes promovem a liberdade democrática (Pervez Musharraf e Benazir Bhutto no Paquistão, por exemplo). Combater o fundamentalismo islâmico passa, então, por apoiar verdadeiramente aqueles que tentam melhorar as condições de vida dos seus concidadãos. E fazer com que esse apoio seja sentido. Porque enquanto eles sentirem que não têm nada a perder, os mártires terroristas continuarão a matar.

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