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blogue atlântico

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29
Dez07

2007 em revista

Atlântico
[Revista Atlântico de Maio de 2007 . Nº 26]

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Lições da Independente

por João Miranda
As universidades privadas nunca tiveram qualquer hipótese de competir com as públicas. As universidades privadas foram, desde a sua criação, relegadas para pequenos nichos de mercado

A crise da Universidade Independente despoletou uma série de críticas ao ensino superior privado. De acordo com a opinião dominante, o caso da Universidade Independente é uma prova empírica da superioridade do modelo público de ensino superior. Esta opinião é reforçada pelo facto de as universidades públicas serem, por regra, mais reputadas e mais procuradas do que as privadas. No entanto, só se poderia concluir que o modelo púbico é o melhor se os modelos público e privado estivessem a concorrer entre si em igualdade de condições. Mas não estão porque a interferência do estado no mercado de ensino, como regulador, certificador e financiador, desvirtua a competição favorecendo o ensino superior público.

Enquanto regulador, o Estado influenciou o ensino superior de três formas distintas. Em primeiro lugar privilegiou a abertura de universidades públicas. As universidades privadas só foram autorizadas a partir do início dos anos 80, e mesmo assim com grandes limitações. Em segundo lugar, o Estado impôs por via legal modelos de organização às universidades que se revelaram incompatíveis com as suas necessidades. Em terceiro lugar, o Estado tornou o ensino privado excessivamente dependente de favores políticos para a aprovação de licenciaturas.


Os problemas que ocorreram na maior parte das universidades privadas resultaram da combinação da falta de tradição institucional, do modelo de cooperativa imposto pelo estado e da necessidade de favores políticos para aprovação de cursos. A falta de tradição institucional exigia total flexibilidade das universidades privadas para encontrarem os arranjos institucionais mais adequados à sua natureza. No entanto, dado que o estado impôs o modelo cooperativo, as primeiras universidades privadas tiveram que viver com ele. Acontece que, numa universidade sob o modelo cooperativo, todos mandam mas ninguém em particular é responsabilizável. Existe um grande incentivo para que cada cooperante procure tirar proveito pessoal da sua participação na universidade, mas pouco para que cada cooperante invista o seu tempo e o seu dinheiro na universidade. Este problema é agravado pela necessidade que a universidade tem de ter relações com políticos influentes. Criou-se um caldo de cultura propício a guerras internas e a actividades obscuras.

Enquanto certificador, o Estado contribuiu para falsificar os sinais do mercado. O Estado é o maior empregador de licenciados e o último responsável pela certificação de um vasto conjunto de profissionais, quer directamente, quer através das ordens profissionais. Este trabalho de certificação, em vez de contribuir para separar as boas das más universidades, contribuiu para as confundir. O Estado enquanto certificador/empregador trata da mesma forma uma licenciatura obtida numa boa universidade e uma licenciatura tirada numa má universidade. Por este motivo, as universidades privadas inciaram a sua actividade com o valor das suas licenciaturas artificialmente empolado. O valor de uma licenciatura não dependia da reputação da universidade, nem da qualidade do seu ensino, mas do simples facto de o canudo valer o mesmo que qualquer outro canudo. Por este motivo as universidades privadas não precisaram de se impor pela qualidade para ter clientes. Como, para o principal certificador do mercado, os canudos valiam o mesmo qualquer que fosse a qualidade do ensino, as universidades privadas tinham mais a ganhar se recorressem ao facilitismo.

Enquanto financiador o Estado agiu em nome dos interesses das universidades públicas. Pagou-lhes as instalações, pagou-lhes a formação de professores, pagou-lhes a investigação. Em suma, o Estado, ao longo de décadas capitalizou as universidades públicas com o dinheiro dos contribuintes. Muitos contribuintes tiveram que pagar duas vezes. Pagaram a universidade pública, pela via dos impostos, e pagaram a universidade privada, enquanto pais ou alunos, pela via das propinas. As universidades privadas tiveram que se capitalizar a elas próprias, têm que pagar os seus custos com as receitas das propinas e têm que competir com universidades públicas que cobram propinas simbólicas. Esta diferença abissal do financiamento cria uma situação de concorrência desleal que favorece as instituições públicas e explica só por si que estas tenham mais procura e melhor qualidade.

É claro que uma análise ingénua e superficial do mercado do ensino superior em Portugal nos poderia levar a concluir que o modelo público é melhor. Mas uma análise mais aprofundada mostra que as universidades privadas nunca tiveram qualquer hipótese de competir com as públicas. As universidades privadas foram, desde a sua criação, relegadas para pequenos nichos de mercado fora dos quais não têm qualquer capacidade para competir com as universidades públicas que são muito mais antigas, que são financiadas pelo Estado a fundo perdido e que praticam preços simbólicos.

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