Da crueldade
Quando andava no liceu – mesmo antes do 25 de Abril de 1974 – havia episódios de crueldade selectiva em relação a professores. As professoras de “Canto Coral” (como se chamava na altura) eram, por razões claríssimas (a notória inutilidade da disciplina), vítimas preferenciais. O que nós fazíamos era crudelíssimo, e o que a “Bazuka” (de origem francesa, Bazin) e a “Bigodes” (que morreu, de resto, pouco tempo depois com um ataque cardíaco, num outro liceu - no D. Manuel II, suponho) sofreram no Garcia de Orta, no Porto, em 1973 ou coisa assim, não tem nome. E um professor que tocava violino e que, no transporte, fechava os olhos, quando os abria tinha uma data de moedinhas de tostão aos pés dele. E ríamo-nos a bandeiras despregadas. Há, no entanto, algo que cria um abismo entre isto e o que se passa no vídeo que o Paulo colocou abaixo. Nunca – antes ou depois de 1974 -, ou então só mesmo excepcionalissimamente, havia violência física. Os preconceitos contemporâneos indistinguem a violência física da “psicológica”. Acontece que, para haver civilização, é mesmo a primeira coisa que há que distinguir. No vídeo não são miúdos da sala de aulas do Amarcord ou do Garcia de Orta. Há criaturas protegidas pela anomia ambiente que, muito democrática e galhofeiramente, violentam um ser humano isolado. Violentam fisicamente, sublinho. Não se fazem coisas dessas sem um sentimento de protecção e impunidade, é óbvio. Aparentemente, esta "avaliação" ajuda à coisa.
PS: notei agora que o vídeo "is no longer available".
PS2: Acabo de saber - via Francisco José Viegas, no Origem das espécies - que a cena se passa no Carolina Michäelis, um dos liceus mais centrais e antigos do Porto. Não é certamente um antro de "marginalidade".