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blogue atlântico

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12
Abr08

Biotecnologia e o fim do liberalismo

Alexandre Homem Cristo

 

A proposta que Fukuyama apresenta no seu famoso ensaio de 1989, O Fim da História?, já foi suficientemente atacada para que todos se convencessem que, de facto, não existe um Fim da História centrado nos valores do liberalismo. Assim sendo, a opinião generalizada pelos críticos é que o liberalismo político e o capitalismo económico não são alargáveis ao mundo inteiro, e que outras formas políticas são viáveis pelo resto do mundo. A crítica concentrou-se no carácter obviamente frágil da proposta de Fukuyama, alegando a diversidade cultural e política no globo (objecção na qual Huntington investe e também falha). No entanto, é raro encontrar quem defenda que o liberalismo não é a última forma de exercer a política no Ocidente – excepção de alguns círculos intelectuais europeus que ainda alimentam o sonho comunista. Ou seja, poucos imaginaram que o fracasso da proposta de Fukuyama estivesse na queda do liberalismo, mais do que na geografia cultural. Na sua obra O nosso futuro pós-humano, Fukuyama reconhece o seu erro em relação ao Fim da História, e dá a mão à palmatória aos seus críticos da ciência. Ele subestimou a evolução da ciência.
O liberalismo sustenta-se numa visão dos direitos humanos que provem directamente de uma concepção da natureza humana na qual todos nos revemos – excepção, claro, de extremistas como os movimentos neonazis. Mas se alterarmos essa natureza humana? Com a biotecnologia a evoluir, será possível fazê-lo e transformar o Homem. E essa “nova” natureza humana será compatível com o nosso modelo de liberalismo? Muito provavelmente, não.
Vejamos o caso de Hobbes e do seu Leviathan, precursor do Estado liberal. A criação do Estado depende do reconhecimento de que os homens são indiferentemente iguais, e que por isso qualquer homem está sujeito ao perigo da morte violenta pelas mãos de um outro homem. Homo homini lupus. Se a biotecnologia alterar a natureza humana e “melhorar” as capacidades humanas (mentais, físicas, sociais), estaremos então perante um novo Homem, num mundo pós-humano, onde esse reconhecimento de igualdade deixará de ser possível.
A biotecnologia poderá ser liberalizada, e portanto teoricamente acessível a toda a população. Mas à velocidade que esta tecnologia evolui, a que estiver disponível aos que menos recursos têm (a de ontem) será sempre inferior àquela que os mais ricos poderão pagar (a de hoje), criando assim duas espécies humanas – a dos mais evoluídos (mais inteligentes e mais capazes) e a dos menos evoluídos. Imaginem que a diferença de inteligência seria equivalente a colocar uma criança de 5 anos no meio de adultos doutorados. A igualdade dos direitos poderia manter-se, mas qual seria a aplicação prática desses direitos se uma das espécies humanas não tem capacidade para usufruir deles? Aquilo que mais nos define, o nosso ADN, estaria na base de uma desigualdade inultrapassável, mais radical do que qualquer luta de classes anterior – apoiada numa visão económica da vida humana.
Será este o fim do liberalismo? Não sei, mas, seja como for, parece-me a questão mais importante para a Ciência Política no século XXI.

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