Há livros que precisam de ser falsificados. Há autores que precisam de ser desmentidos, as vezes que for preciso. Porquê? Porque trazem consigo perigos, assentes em mitos, que uma vez instalados no senso comum se torna difícil desmontar. É um trabalho duro, o de desconstruir os ícones do momento. Partir o bezerro de ouro pode levar ao linchamento público, ao descrédito de quem o tenta.
Orientalismo, de Edward Said, foi dos livros que mais mal trouxe ao mundo nas últimas décadas. Desde logo, porque inventou o multiculturalismo, ou defesa de todas e quaisquer práticas culturais (sejam elas a excisão feminina ou o apedrejamento público). Said convenceu grande parte do mundo de que não há verdade (passe a publicidade a Foucault, outro bezerro dourado), e tudo é legítimo. Ofereceu ao Islão uma base académica de auto-vitimização e justificação. Tudo passou a ser igual a tudo, porque os julgamentos são discursos de poder de uma elite dominante que se considera superior. Criticar Said? Impossível: fazê-lo é comungar do imperialismo e colonialismo dos nossos malévolos antepassados. Obviamente, este é o género de argumentos que merece o altar da esquerda; deste e do outro lado do Atlântico.
Ibn Warraq dedicou mais de 400 páginas à desmontagem do argumento de Said: quase frase a frase, num trabalho minucioso de recuperação do verdadeiro conceito de Orientalismo. Enumerando as contradições, as mentiras e desonestidades intelectuais, que são mais que muitas. Vale muito, muito a pena. Já chega de tanto relativismo.