Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

blogue atlântico

blogue atlântico

24
Mai08

A redução de Obama

Atlântico

 

Barak Obama parece finalmente às portas da nomeação. Mas o homem que está a chegar à meta não é o mesmo que vimos à partida. Devia ter ganho com entusiasmo – e vai ganhar matematicamente. Não devia haver a mínima dúvida acerca da sua vitória sobre um advogado da guerra no Iraque – e há. Nada o impede de ascender muito alto. Mas já percebemos que quanto mais subir, mais pequeno há-de parecer.

A receita de Obama é velha. Lembra, aliás, a de Ségolène Royal o ano passado. Obama aproveitou o facto de não ser a primeira escolha da “elite” para se fazer passar como a preferência das “bases”. Apostou na “dinâmica”, no “élan”, mais do que em propostas. Esperou que o circo mediático à sua volta arrastasse gente desejosa de “participar”. Conseguiu assim contornar debates, sem que no fundo ninguém soubesse bem o que significava. Bastou-lhe ser simpático e eloquente para se tornar “especial”. Acontece que o procedimento eleitoral dos democratas, destinado a representar todas as sensibilidades, não ajudou à continuação do idílio. Ao princípio, jogou a favor de Obama, deixando-o emergir; depois a favor de Clinton, poupando-a a um rápido afundamento. E a arrastada concorrência fez muita gente espreitar por detrás da fachada de Obama. Nem tudo condizia. O candidato supostamente “pós-racial” aconselhou-se, durante 20 anos, com um pastor racista. O candidato “pós-partidário” tem, no senado, um cadastro de votos que faz dele o mais esquerdista de todos os senadores. É esta, então, a verdade de Obama, segundo reclamam os conservadores: um possesso com cara simpática? Mas Obama renegou o pastor, e o seu principal conselheiro económico já insinuou que o candidato é muito mais favorável aos mercados livres do que as necessidades da eleição lhe permitem confessar. Com que ficamos? Com um político como os outros, a tentar ser tudo para todos.

Esta devia ser uma eleição fácil para os democratas. Acontece que o candidato que vinha unir os americanos começou por dividir o seu partido, ao longo de inquietantes fracturas raciais, sociais e geracionais. Clinton tem ganho à vontade entre os brancos mais pobres e os mais velhos. Pior: na Pennsylvania, 25% dos votantes de Clinton declararam que votariam no candidato republicano caso o candidato democrata fosse Obama. Obama estragou ainda mais o cenário ao queixar-se, com uma lassidão paternalista, do povo das pequenas cidades, dado às armas e à religião. Em vez de uma animadora semelhança com Kennedy, surgiram ominosas parecenças com os candidatos democratas pós-Kennedy, como George McGovern, que nas décadas de 1960 e de 1970 excitavam muito os estudantes radicais, a minoria afro-americana e a esquerda chique, mas nunca ganhavam. E a verdade é que Obama não conseguiu ultrapassar Clinton nos estados em que um candidato democrata precisa vencer para ser eleito presidente. Subitamente, Obama fez sentir aos democratas que a derrota é possível.

Mas Obama pode ganhar. E por isso, o pior, para o obamismo, talvez venha a seguir. O grande terror dos democratas é ver Bush a jogar o jogo de Lyndon Johnson no tempo do Vietname: assegurar que a guerra do Iraque não será oficialmente perdida por ele. No senado, no princípio de Abril, o comandante (Petraeus) e o embaixador (Crocker) no Iraque desaconselharam retiradas de tropas depois do Verão. Mais grave: o general e o embaixador, como lamentou um exasperado senador Obama, escusaram-se a definir quais as condições em que aceitariam extrair mais soldados. Na prática, isto significa que uma eventual retracção militar americana será da inteira responsabilidade do novo presidente, que nem sequer poderá justificar a sua decisão invocando critérios estabelecidos anteriormente.

Obama deve saber o que o espera: qualquer saída que a Al-Jazeera possa encenar como uma fuga humilhante habilitará os republicanos a defini-lo como uma reedição do frouxo Jimmy Carter. Mas Carter, apesar da lenda de fraqueza, foi também o único presidente a agredir directamente o Irão (durante a “crise dos reféns”). Ora, ambos os candidatos democratas já demonstraram que nada como uma reputação de fraco para obrigar alguém a puxar da espada. Clinton ameaçou o Irão de um “aniquilamento total”, no caso de um ataque a Israel. Obama, menos exaltado, garantiu que reagiria “pronta e firmemente” – por outras palavras, que faria a mesma coisa. Bush, significativamente, nunca precisou de ser tão excessivo. O que fará Obama? Ou melhor: o que é que os acontecimentos o obrigarão a fazer? O pior, para aqueles que acreditaram no obamismo como uma “coisa nova”, não é se ele perde: é se ele ganha, porque se a vitória em Novembro vier a ser dele, a derrota pode vir a ser deles.

[Rui Ramos]

 

Artigo do Público de 14 de Maio editado para o Blogue Atlântico.

 

-

 

Amanhã publicaremos a crónica desta semana.

6 comentários

Comentar post

Links

Outros Mares

Outras Ondas

Arquivo

  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2008
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2007
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D