Livros "Atlântico" 41, ARON
Atlântico 27 (Junho 2007)
Isto não uma crítica. É uma celebração. Consta que a primeira palavra que balbuciei foi “Aron” e não “Gu-gu da-da”. Não esperem, portanto, grande contenção nesta prosa. Raymond Aron (1905-1983) foi a maior figura intelectual do século XX e, como diria Borges, encontrou o destino dos grandes: transformou-se num adjectivo, aroniano. Um adjectivo que sintetiza uma atmosfera intelectual própria, uma maneira de ver o mundo.
Nestas memórias, Aron oferece-nos uma visita guiada ao seu longo percurso intelectual. O autor recorda os seus livros e polémicas, desde o caos dos anos 30 até às incertezas dos anos
Mas, hoje, mais do que a História, o que interessa recuperar é o tal espírito aroniano. E o que é ser-se aroniano? É praticar o cepticismo e, por isso, recusar o papel de intérprete «da consciência universal» (p. 536). É lutar pelo pluralismo («o Ocidente só vive e sobrevive pelo pluralismo», p. 632). É proteger o valor da humildade perante os clássicos («um ano de familiaridade com a obra de Kant curou-me, de uma vez por todas, a vaidade», p. 23). É ser capaz de fazer a ponte entre a teoria e a realidade, entre o jornalismo e a academia. Aron, jornalista e académico, criticava quem vivia apenas no «universo de algodão» académico (p. 191). É desconfiar dos Príncipes (p. 521). É recusar o quentinho ideológico e sair para o frio analítico, ou seja, é ver o mundo tal como é, e não como deveria ser. É criticar revolucionários («pode-se ser marxista-leninista e inteligente, mas nesse caso, não se é honesto», p.629) e reaccionários («nacionalistas ou reaccionários pertencem a um universo no qual eu nunca poderia respirar», p. 588). É ter o gostinho de ouvir os adversários confessar que é melhor errar com Sartre do que ter razão com Aron. É, enfim, recusar «crenças milenaristas ou racionalizações conceptuais» e preferir «a experiência, o saber e a modéstia» (p. 626).