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blogue atlântico

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30
Jul08

Control. Ian Curtis. Sertralina.

Tiago Galvão

Acabei de ver Control, de Anton Corbijn, um filme sobre a queda em ascensão de Ian Curtis vocalista dos Joy Division.

 

 

Nota Biográfica:

 

Não nasci prematuro, não passei fome, não fui violado por um tio. Tive infância normal, adolescência normal, em família normal. Até um dia. Em que cheguei a casa, me sentei no chão, encostei à parede e bloqueei. Literalmente, o meu corpo parou. A minha mente deixou de reagir. Primeiro, horas. Depois, dias, meses, até me ser diagnosticada uma depressão dois anos mais tarde. Foi a 17 de Maio de 2003. Sei isto porque a partir desse dia deixei de apontar o que quer que fosse nos cadernos. Deixei de sair. Deixei de praticar desporto. De jogar computador. Namorar. Ir ao cinema. Ver filmes. Ouvir música. Pensar em mamas. Ler. Escrever. Não acordava de manhã porque simplesmente não dormia. Mas quando me levantava, se me levantava, a rotina era rigorosamente esta, a definição precisa de não fazer absolutamente nada: sentava-me numa cadeira e olhava. Para a parede. Sem que nenhuma ideia me passasse pela cabeça. Não posso dizer que estivesse triste porque não estava. Não tinha era vontade de nada. Para além da respirar, comer e mictar, possuía a alegria de viver do estanho. Não tentei o suicídio porque não me apetecia. Era chato. Só conservava uma característica humana: tratar mal as pessoas que gostavam de mim. O que não foi grave porque também não eram muitas. Mas eram algumas e sofreram bastante. Em Junho e Julho (2003) era suposto fazer os exames para entrar na universidade. Fiz. Por azar, entrei. Em Lisboa. Que é mais pormenor maquiavélico menos detalhe de Dante a minha ideia de inferno. Nesse verão, comecei a tirar a carta. Foi o melhor que me podia ter acontecido, até porque nem sequer fiz o código. Chegado a Lisboa, um dia antes do início das aulas, parti os óculos. Por sorte, o meu pai conseguiu arranjá-los. Ainda bem, porque assim, não só fui gozado pelo meu sotaque, enquanto era brutalizado na praxe, como pelo enorme pedaço de soldadura que ostentava por baixo de um insulto escrito com batom na minha própria testa. Com a minha integração praticamente assegurada, bastou-me não pôr lá mais os pés durante três meses para o primeiro semestre correr bem. A parte boa foi que não fiz as cadeiras todas. Assim, deixaram-me voltar para casa. Pena, pena, foi as coisas terem começado a correr bem. Mesmo bem. Tirei a carta, repeti os exames, entrei numa universidade perto de casa, voltei a ler, a escrever, a estudar, a ler demais, a escrever demais, a estudar demais. A querer demais. Estava infelizmente eufórico. Sofria de excesso de felicidade. Não me bastava ser muito bom. Tinha de ser excelente. Viver até à exaustão. E foi o que fiz. Até acordar um dia com tonturas (Março, 2005). Às tonturas, juntou-se um zumbido constante nos ouvidos. Ao zumbido, dores de cabeça insuportáveis. Era cansaço. Parei uma semana e as tonturas continuaram. Não era um cansaço qualquer. Era, como em Setembro desse ano finalmente me foi diagnosticado, depois de um exército de médicos (de otorrinos a neurologistas), com uma artilharia de testes, análises e exames à cabeça (incluindo uma ressonância), um esgotamento. Tratamento: anti-depressivos. Primeiro, injecção de felicidade: Sertralina, um ano, 50 mg por dia. O problema da Sertralina, a maconha para intelectuais, não é tanto as rugas de 24 horas sobre 24 horas de sorriso burro. É a «moca» que dá, como apanhar um tiro no céu-da-boca e sobreviver. Em Setembro de 2006, estava oficialmente curado. Em Fevereiro de 2007, estava realmente na mesma. Voltei aos anti-depressivos. Desta vez, à sulpiride. Não dá moca, mas também não dá nada. Vomitava 3, 4, 5 vezes por dia, todos os dias. Passava os meus dias em casas de banho. Se não era para vomitar, para dormir. Se não era para dormir, para chorar. Se não era para chorar, para não estar noutro sítio qualquer. Em Julho desse ano, depois de encontrar o Santo Graal da infelicidade, mudei-me para a Paroxetina. Até hoje.

 

Sexo e antidepressivos

 

Com os antidepressivos, existe o mito da impotência e daí vem um problema: é que não é um mito. Felizmente, dá para disfarçar. Não somos desprovidos de erecções, só de orgasmos. Custa-nos a vir, portanto é só fingi-lo. E como não há afrodisíaco como a frustração, também não há orgasmos como o do deprimido. Além do mais, somos os melhores na cama. A falta de auto-estima de uns é o tesão de outros.

 

Relações

 

Deprimido tem afinidade para deprimido. Na paixão, na amizade, no cinema, na música ou nos livros. Teoricamente, deprimido compreende deprimido. Na prática, deprimido com deprimido dá uma depressão ainda maior. Conforme me aconselhou o meu amigo Vasco Barreto, ninguém foge à depressão lendo o blog do Pedro Mexia.

 

Adolescência

 

À puberdade, actualmente, passam-se antidepressivos a rodos. Um conselho: vão ao médico com o vosso filho, ouçam com muita atenção tudo o que o senhor tem a dizer e façam exactamente o contrário. Se ele anda triste, chora em posição fetal e não sai de casa, os antidepressivos ajudam, mas um excerto de porrada, aos animais que o sodomizam a «brincar» diariamente, ajuda muito mais. Se depois de removerem os molares dos coleguinhas ao biqueiro, os sintomas continuarem, comparticipem a sua iniciação sexual em estabelecimento para o efeito, que o problema é «gaja».

 

Velhice

 

Um estudo recente sobre a felicidade, diz que esta descreve uma curva em U ao longo da vida. Passamos uma infância feliz, vamos ficando cada vez mais miseráveis até à crise de meia-idade, e felizes como uma criança enquanto caminhamos para velhos. A razão é simples: quanto mais velhos somos, menos temos a perder. E quanto menos conquistarmos ao longo da vida, mais feliz será a nossa velhice. Contudo, isto é o que penso sobre os velhos: deprimidos ou não, injectem-lhes doses tiranossauricas de sertralina que mesmo que não os mate de felicidade prozac, põe-nos de certeza a dormir.

 

Depressão e descompressão

 

Sintomas de depressão: Cansaço, medo, isolamento, falta de concentração. Sintomas de descompressão: Cansaço, medo, isolamento, falta de concentração. Com uma diferença: enquanto o deprimido tem falta de amor-próprio, um indivíduo que esteja a descomprimir de um longo período de stress tem a mesma sensação nos ouvidos de alguém que tenha acabado de dar um mergulho de 100 metros ou ouvido uma música do Pedro Abrunhosa. Portanto, antes de arrotar com 75 euros no médico, mais 30 nos anti-depressivos, feche a boca, tape o nariz e bufe.

 

Bipolaridade

 

Há dois tipos de depressão: unipolar e bipolar. A primeira é caracterizada por irritabilidade, insónias, perda de peso e falta de interesse por tudo. Dura alguns meses e afecta 20% dos indivíduos. A segunda é mais rara e de longe a mais interessante, caracterizada por períodos de euforia intensa seguidos de depressão severa. Nunca passa e normalmente resulta em suicídio. No The Secret Life of the Manic Depressive, Stephen Fry conversou com uma série de gente que sofria da doença. À pergunta, «trocaria os momentos de euforia por uma vida normal?», todos, sem excepção, incluindo o próprio, responderam não. Não se deixem enganar, o estigma é grande e a depressão acaba connosco, mas quando estamos bem, estamos mesmo muito bem.

 

 

Vou para o Alentejo. Até depois.

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