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blogue atlântico

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25
Ago08

O divórcio e (desculpem lá a evidência) a pobreza feminina

Maria João Marques

O Presidente da República vetou a lei do divórcio que a esquerda concebeu. Fez muito bem, mas logo se levantou o coro indignado do costume e até se acusou - horror, horror! - o Presidente de ter actuado segundo as suas convicções. Não vou aqui referenciar as falhas jurídicas do diploma vetado (já o fez quem muito mais percebe do assunto que eu). Também não vou debruçar-me sobre o argumento algo falho de inteligência de que se deve legislar de forma a facilitar aquilo que é corrente no nosso país (parece que os cheques sem cobertura abundam, bem como casos de violência doméstica ou de evasão fiscal). Mas houve uma acusação feita ao PR que é tão hilariante que não posso deixar de a referir: ao afirmar que o diploma vetado desprotege a parte mais fraca, geralmente a mulher, o nosso estimável presidente estaria a assumir que afinal as mulheres são seres débeis e fracos, que não conseguem fazer valer os seus direitos e menos ainda pensar pela própria cabeça, tudo ideias muito contrárias à modernidade, ao progresso e a outras coisas boas relacionadas com as anteriores.

 

Se este argumento tivesse sido apenas proferido pela brigada fracturante do costume ninguém se surpreenderia - que, tão curiosamente, acha que mulheres geralmente bem na vida, portadoras de licenciaturas e mestrados e doutoramentos e com experiência profissional invejável não conseguem mostrar o seu valor e, coitadinhas, se não houver quotas nas listas eleitorais, serão um valiosíssimo contributo perdido para a nação. Mas até Pedro Passos Coelho dignificou este disparate referindo-o na entrevista que deu ao Expresso (e tendo eu apreciado tanto as ideias que propôs aquando das directas, fiquei agora a suspeitar que PPC ou tem um raciocínio muito superficial ou se deixa levar por opiniões que, por serem numerosas e mediáticas, não deixam de ser erradas; talvez fosse melhor regressar aos limites do Estado).

 

Ora a realidade, felizmente, não é a preto e branco nem se confunde com a utopia. Claro que as mulheres são capazes de tomarem as decisões que consideram melhores para a sua vida e concretizá-las (mesmo quando se enganam nessas decisões; acontece a todos). No entanto, factores vários (e alguns deles decorrentes das decisões das próprias mulheres, por exemplo quererem ter a guarda dos filhos ou levarem a termo uma gravidez em vez de abortarem) tornam as mulheres mais propensas à pobreza do que os homens. Se quem se pronunciou sobre a inexistência de parte mais fraca (mesmo no caso de casais com rendimentos baixos) conhecesse pobres além dos constantes nos livros de Dickens (se calhar eram mais adequados o Soeiro Pereira Gomes ou o Manuel da Fonseca) talvez soubesse que um grande alvo da pobreza é precisamente a mulher que se separa/divorcia e tem que assumir a maioria, se não todas, das despesas dos filhos (ou porque o pai não quer contribuir, ou tem uma nova família que lhe afecta grande parte dos recursos, ou porque não tem rendimentos - e sabe-se como são as despesas com os filhos, em que uma conta mais exorbitante na farmácia pode rebentar com um orçamento periclitante). Quem não conhece mulheres que se divorciam, mesmo por mútuo acordo e em casos longe da pobreza, e cujo nível de vida piora materialmente? Isto não é exclusivo de Portugal. Exemplos: no Reino Unido, 53% do total das famílas mono-parentais vivem em situação de pobreza; no Canadá, 51,6% das famílias mono-parentais sustentadas por mulheres vivem na pobreza. Com a subida do número de divórcios nos países industrializados, prevê-se o correspondente aumento da pobreza feminina. Associada à pobreza feminina está, evidentemente, a pobreza infantil. E esta pobreza feminina das mulheres divorciadas não se esbate com o envelhecimento.

 

Mas, claro, não devemos deixar que estes números e esta realidade se sobreponham à necessidade de atacar instituições como o casamento ou a família tradicional e, por tabela, a Igreja. Os valores não têm todos as mesmas prioridades.

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