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Revista Atlântico de Setembro de 2007 . Nº 32]
Proposta Um caminho para o PSD por
Bruno AlvesNão parece faltar quem pense que o Governo de Sócrates promove uma política “liberal”, que “rouba espaço” ao PSD. Aqui se defende que José Sócrates é tão socialista como os seus antecessores no PS. Resta uma hipótese ao PSD: apresentar uma política verdadeiramente alternativa, afirmando-se como o reformador e propondo uma alternativa liberal ao estatismo hoje existente
Na noite eleitoral lisboeta de 15 de Julho, enquanto José Sócrates festejava entusiasticamente a magra vitória de António Costa com os velhinhos de Teixoso, Alandroal e Cabeceiras de Basto, involuntariamente trazidos ao Hotel Altis, o ambiente na sede do PSD era compreensivelmente menos animado. O resultado de Fernando Negrão (uns meros 15,7% dos votos que elegeram três singelos vereadores, que não se explicam pelo facto de a sua candidatura não ter tido uma Margarida Vila-Nova a dar o seu corpo ao manifesto eleitoral) não só não motivara a descida à capital do Lar de Idosos de Pitões das Júnias, como acabaria por precipitar uma crise de liderança no partido laranja.
Considerando que a “responsabilidade” de tal resultado havia sido sua “por inteiro”, e que, como “em democracia, o poder não é tudo”, e não desejando “conquistar o poder a qualquer preço” nem mantê-lo “a qualquer custo”, o líder social-democrata Luís Marques Mendes anunciou a antecipação das eleições directas para o cargo de presidente do partido e a sua intenção de a elas concorrer. Os resultados talvez não justificassem a queda, mas certamente “justificariam” novos e crescentes ataques da oposição interna, que inevitavelmente acabariam por ferir ainda mais a sua liderança. Antecipando as eleições, Mendes romperia de uma vez por todas o colete-de-forças que tem aprisionado a sua condução política: se ganhasse, colocaria os opositores no seu devido lugar. Se perdesse, já não teria de os aturar, ficando livre para umas manhãs de bodyboard na praia do Guincho.
Desde essa noite que a comunicação social se tem entretido com as acusações mútuas de militantes laranja e cenários em torno de quem avança, quem apoia quem, e que razões têm os que preferiram ficar a assistir ao espectáculo pela televisão. Mas mais do que os nomes de quem se propõe liderar o PSD, seria bem mais útil discutir qual o caminho que o PSD deveria seguir, de forma a não só voltar ao poder, como a fazer qualquer coisa decente com ele.
Espaço vitalÉ comum ouvir-se dizer que é difícil fazer oposição a este Governo, por Sócrates estar a levar a cabo a “agenda da direita”. Não parece faltar quem pense que o Governo de Sócrates promove uma política “liberal”, que “rouba espaço” ao PSD. Na realidade, e ao contrário não só do que é dito, mas do que o próprio quer fazer crer, José Sócrates é tão socialista como os seus antecessores no PS.
Há tempos, no seu blogue
Arte da Fuga, o habitual colaborador desta revista Adolfo Mesquita Nunes escrevia, a propósito da “reforma” da Administração Pública de que tanto se orgulha o Governo, palavras sensatas. As medidas de Sócrates “organizam a burocracia”. Mas continuam a atribuir-lhe o mesmo papel. Sócrates continua a achar que ela deve cumprir as mesmas funções. E de facto, tudo aquilo que este Governo tem levado a cabo, todas as “reformas corajosas” que tem feito, mais não são do que uma racionalização do “monstro”. Meros remendos daquilo que existe e não um corte com o estado em que está o Estado. Sócrates insiste que tudo aquilo que faz é “na defesa do Estado Social”. Ao contrário do que pensa o PCP e o BE, e imagino que parte do próprio PS, Sócrates não está a mentir. Sócrates conhece as inúmeras deficiências do Estado. Quer corrigi-las, porque quer que o Estado continue a desempenhar o papel que essas deficiências o impedem de cumprir de forma eficiente. Se esta é a política do PSD, se este é o “espaço” onde o PSD quer viver, o primeiro-ministro não lhe está a roubar qualquer “agenda”. Elas apenas não se distinguem.
Há, no entanto, um outro elemento que deve ser tido em conta, referido num artigo de Vasco Pulido Valente, publicado em 2006 no Público. O primeiro-ministro está de facto a roubar algo ao PSD: a imagem de que “faz”. A chave do sucesso eleitoral do PSD estava nessa imagem de “desembaraço” governativo. O Político Anteriormente Conhecido Como Durão Barroso assentou a sua campanha de 2002 nessa ideia de que, “quando as coisas estão más, as pessoas chamam o PSD” para reparar o “estrago“ feito pelo PS. Com a sua acção, e com a forma como propagandeia a sua acção, José Sócrates está a retirar ao PSD aquela que era a sua principal arma. Restará, portanto, uma hipótese ao PSD: apresentar uma política verdadeiramente alternativa à do PS, não se limitando a querer ser o “biscateiro” do regime, mas afirmando-se como o seu reformador. Propondo uma alternativa liberal ao estatismo hoje existente.
Para ser justo com Marques Mendes, houve na sua liderança alguns tímidos passos nesse sentido. O PSD percebeu, por exemplo, que o Estado não tem a capacidade de gerir o sistema educativo, e por isso propôs que as famílias tenham total liberdade para escolher a escola para os seus filhos, desaparecendo o condicionamento do local de residência ou trabalho dos pais, e que fosse dada maior liberdade a cada escola no desenvolvimento do seu programa educativo. Mas falta ao PSD dar o passo seguinte, e defender a adopção do “cheque-ensino”, seja ele universal, seja só para aqueles que por si sós não tenham meios para pagar o ingresso dos filhos numa escola. Falta ao PSD perceber e defender, por exemplo, que quando uma escola é financiada pelo Orçamento de Estado, a sua sobrevivência depende, não da satisfação daqueles a quem os seus serviços se destinam (os alunos e os seus pais), mas da satisfação do Ministério da Educação. Uma escola que recebe o seu dinheiro, o dinheiro que sustenta a sua actividade, directamente do Estado, não concentra a sua atenção na satisfação das exigências dos seus “clientes”, mas na satisfação das exigências do Estado. Mas se cada família puder decidir qual a escola que receberá o seu dinheiro (seja ele seu ou um cheque que o Estado lhe atribui), em vez de o entregar a um Estado centralizador que depois o distribui de acordo com o seu critério, ou sem critério algum, a escola que recebe esse dinheiro será obrigada a responder às exigências das famílias que lhe entregam esse dinheiro, sob pena de elas optarem por o entregar a uma escola concorrente.
Tal modelo, para além de responsabilizar a escola pelo seu programa educativo, teria ainda o mérito de responsabilizar também as famílias, que teriam de ajuizar se determinada escola vale o dinheiro que dão pelo serviço que ela presta. E o mesmo raciocínio deveria ser aplicado às restantes áreas governativas, defendendo o PSD políticas que, dando maior liberdade aos indivíduos, lhes dariam maior responsabilidade e mais poder.
Coligação de vontadesA pergunta que o leitor certamente coloca é a de quem votaria em tal programa? E a resposta mais sensata talvez seja a de que ninguém o faria. A relativa pobreza do país, que convida os nativos a guardarem o pouco que têm e não a correrem os riscos necessários para poderem passar a ter mais, parece ser suficiente para deitar por terra as pretensões de “liberalizar” o país. Mas com um pouco de coragem e habilidade políticas, talvez seja possível encontrar um eleitorado disposto a apoiar um PSD liberal. Há um conjunto de pessoas que estaria sempre disposto a votar em qualquer partido que pretenda emagrecer o Estado. Para pessoas que, como este vosso escriba, desconfiam da espécie humana ao ponto de quererem ser o menos possível governadas pelo seu semelhante, ou para “liberais clássicos”, que entendem ser o modelo liberal o mais adequado à natureza humana, tais propostas seriam sempre positivas. São poucas, é certo, mas outras poderiam juntar-se-lhes: “sociais-democratas”, no sentido tradicional do termo, pessoas que, acreditando na “justiça social” (e que é função do poder político obtê-la), se dispõem a apoiar as propostas que melhor lhes pareçam satisfazer tal pretensão. Para ser uma verdadeira alternativa ao PS, e assim regressar ao poder e exercê-lo em vez de ser seu refém, o PSD precisa de, adoptando um programa “liberalizante”, criar uma “coligação de vontades” que, indo da “direita” ao “centro-esquerda” (como o fizeram Sá Carneiro e Cavaco), concentre a sua campanha nesse “centro-esquerda”. E que o faça, não cedendo ao estatismo que esses eleitores tradicionalmente preferem, mas procurando mostrar-lhes como o liberalismo, mais do que o Estado Social a que se afeiçoaram, promove melhor a tal “justiça social” que desejam, promove melhor uma sociedade na qual não apenas eles, mas também o seu vizinho, poderão ter uma vida melhor.
No fundo, o PSD deverá adoptar um programa liberal e perguntar aos que não são liberais se será “justo”, por exemplo, que a classe média seja sufocada por impostos que a impedem de suportar encargos com os seus pais já reformados, obrigando assim o Estado a ocupar o seu lugar e, dessa forma, retirar a uma população activa cada vez mais diminuta uma parte cada vez maior do seu rendimento, para dar a um crescente número de seus dependentes um rendimento cada vez mais escasso? Será “justo” que uma parte cada vez maior da sociedade faça descontos para um sistema de pensões do qual sabe nunca poder vir a beneficiar? Será “justo” que, sob a ilusão de um SNS “tendencialmente gratuito”, se aumentem os custos individuais com o recurso a esse mesmo SNS? Será “justo” que, devido ao espartilho legislativo que sufoca o mercado de arrendamento, os jovens sejam praticamente obrigados a comprar uma casa e a contrair o endividamento eterno que a acompanha?
Deverá depois convencê-los de que é mais “justo” deixar o mercado funcionar, e “amparar” a queda dos que não tiverem a sorte ou a capacidade de serem bem sucedidos, do que, como no mercado da habitação, o Estado acabar por criar problemas mais graves do que aqueles que, com a sua intervenção, pretende resolver. De que é mais “justo” que sejam os doentes (e idealmente apenas os que não tiverem recursos suficientes para o fazer por si próprios) a serem financiados, em vez dos hospitais, de forma a que estes últimos deixem de depender do Ministério da Saúde e respondam às necessidades dos que a eles recorrem. De que é mais “justo” que os indivíduos tenham a liberdade de escolher a quem entregam as suas pensões, do que ficarem presos a um sistema condenado à falência. No fundo, de que uma sociedade mais livre será uma sociedade mais “justa”.
O PSD era tradicionalmente visto como um partido de pessoas que queriam subir na vida. Anos e anos de poder transformaram-no num partido de pessoas que querem manter o emprego público. Ao mesmo tempo, os portugueses foram sendo amarrados a um Estado Social que apenas garante o empobrecimento generalizado da população. Nenhum partido, excepto o PSD, os poderá libertar. E se é verdade que não o tem querido fazer, também parece ser cada vez mais verdadeira a ideia de que não lhe resta outra alternativa que não passar a querer. O líder do PSD, seja qual for o seu nome, terá de perceber isto, se quiser libertar o partido da letargia que o tem caracterizado e os portugueses do Estado que os sufoca. E terá de perceber que, ao contrário dos seus antecessores, terá de conduzir a opinião pública, em vez de ser conduzido por ela.