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blogue atlântico

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30
Dez07

Queriam o quê?

Pedro Marques Lopes

O cidadão ouve e espanta-se: subitamente toda a gente descobriu que as nomeações para a CGD seguem critérios políticos. Pergunta-se: mas alguma vez o não foram? O mais extraordinário de tudo foi ver e ouvir comentadores, políticos e até ministros escandalizados com os apelos de Luís Filipe Menezes para que o Presidente da Caixa fosse alguém ligado ao PSD como se isso fosse um ultraje. O inefável Menezes tem toda a legitimidade para o fazer. Sendo a administração da CGD de nomeação, meramente, política, Menezes limitou-se a fazer o que um líder político deve fazer: política.


Enquanto se continuar a fingir que existem outros critérios que não os políticos para designar os titulares dos órgãos de gestão de empresas públicas ou de capitais públicos, apenas se anda a mentir aos portugueses. Acrescento: com toda a legitimidade. Mal estava, aliás, que o Governo não utilizasse estes critérios. Devem ser esses que devem guiar todos os governos.

30
Dez07

Liberdade

Paulo Tunhas
Se uma pessoa se puser a pensar no sentimento de liberdade que se gozava em Portugal há 15 anos (fiquemo-nos por aqui), em matéria tanto de coisas "indiferentes" como de substantivas, e se se comparar isso a hoje, duvida-se um bom bocado que tenha havido progresso, ou sequer "estabilização".
30
Dez07

Exclusão social

Paulo Tunhas
A exclusão social à qual, como fumador, vou ser submetido a partir de depois de amanhã, tem pelo menos uma coisa boa. Como almoço todos os dias em restaurantes (e janto quase sempre), a pura e simples proibição de lá entrar vai-me fazer poupar imenso dinheiro. Vai também, dada a exiguidade da minha imaginação culinária, fazer-me perder os quilos que ainda tenho a mais. Se uma dieta de ovos cozidos me mergulhar numa depressão e na mais absoluta letargia, talvez até deixe de fumar. Há sempre benefícios insuspeitados na exclusão social.  

Mas se as coisas derem para o torto, e não conseguir aguentar, despeço-me do emprego, vendo tudo o que tenho, e parto para Viena, onde se pode fumar à vontade em todo o lado. Claro que em Viena não se respira uma atmosfera tão avançada e sofisticada como em Portugal inteiro, mas paciência. Uma pessoa habitua-se à doçura de viver, ao barroco e ao resto, aos cafés, aos doces, ao Kunsthistorisches Museum e à música. Habitua-se até, suponho, à falta de Sócrates.

Salvo desgraça, sempre possível, 2008 tem tudo para ser um ano bom. Com ou sem exclusão social. Graças ao primeiro-ministro, é claro, e aos muitos compatriotas que, já por ele devidamente educados, se afastam reprovadores e tossicando artificialmente quando se acende um cigarro em plena rua. Independentemente deste caso concreto, é verdade que nunca gostaram muito da liberdade.
30
Dez07

O bloco risível

Paulo Pinto Mascarenhas
"O desejo de estar bem com gregos e troianos começou a manifestar-se muito cedo. Colegas lembram que, nas turmas do [Liceu] Camões, Faria de Oliveira conseguia o impossível: dava-se com toda a gente. Tal como o relógio suíço, dizem os seus detractores, Faria de Oliveira não adianta nem atrasa. Antes, `empata´", refere perfil publicado pelo jornal Expresso em 1994. (Notícias Sapo)

Se Luís Filipe Menezes tinha sido risível ao exigir um nome social-democrata para a presidência da Caixa Geral de Depósitos, em nome de um "equilíbrio de poder" - tendo num dia apontado Miguel Cadilhe e no seguinte Eduardo Catroga - a resposta do Governo não pode também ser levada a sério. Na escolha de Faria de Oliveira, apenas pela suspeita de que se limitou a seguir o critério imposto pelo PSD na lógica partidária da repartição de lugares pelo bloco central na máquina do Estado, Sócrates empata com Menezes.
30
Dez07

Rome is burning, son

Ana Margarida Craveiro
Chamem-me de lamechas, mas o apelo de Robert Redford a que lutemos por aquilo que temos por garantido é de facto tocante. O Lions for Lambs não é um grande filme, é tendencioso e profundamente commited. Tem uma agenda explícita do ponto de vista politico-eleitoral, sem grandes subterfúgios. A visão que apresenta da guerra ao terror não é uma novidade,  e a crítica ao Iraque a Afeganistão é  um contínuo deja-vu. E, no entanto, a pergunta que percorre o filme, colocada por Redford no papel de um professor de Ciência Política, é completamente pertinente: por que são os marginalizados do sistema, os mal-amados desta democracia (no caso, um negro e um latino), os primeiros a oferecer-se para lutar por ela?

São eles os better angels da América, que morrem de pé, depois de terem lutado por cada migalha, tendo a coragem de querer melhor. Coragem de mudar o que está errado, ainda que isso signifique alistarem-se para uma guerra que pouco lhes diz. Porque se muda por dentro, tomando parte, e não estando sentado no sofá a chamar de "pedaços de merda" aos Congressistas. Sou mesmo lamechas, mas esta simplicidade ainda me comove.
30
Dez07

2007 em revista

Atlântico
[Revista Atlântico de Setembro de 2007 . Nº 32]

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Proposta
Um caminho para o PSD
por Bruno Alves
Não parece faltar quem pense que o Governo de Sócrates promove uma política “liberal”, que “rouba espaço” ao PSD. Aqui se defende que José Sócrates é tão socialista como os seus antecessores no PS. Resta uma hipótese ao PSD: apresentar uma política verdadeiramente alternativa, afirmando-se como o reformador e propondo uma alternativa liberal ao estatismo hoje existente
Na noite eleitoral lisboeta de 15 de Julho, enquanto José Sócrates festejava entusiasticamente a magra vitória de António Costa com os velhinhos de Teixoso, Alandroal e Cabeceiras de Basto, involuntariamente trazidos ao Hotel Altis, o ambiente na sede do PSD era compreensivelmente menos animado. O resultado de Fernando Negrão (uns meros 15,7% dos votos que elegeram três singelos vereadores, que não se explicam pelo facto de a sua candidatura não ter tido uma Margarida Vila-Nova a dar o seu corpo ao manifesto eleitoral) não só não motivara a descida à capital do Lar de Idosos de Pitões das Júnias, como acabaria por precipitar uma crise de liderança no partido laranja.
Considerando que a “responsabilidade” de tal resultado havia sido sua “por inteiro”, e que, como “em democracia, o poder não é tudo”, e não desejando “conquistar o poder a qualquer preço” nem mantê-lo “a qualquer custo”, o líder social-democrata Luís Marques Mendes anunciou a antecipação das eleições directas para o cargo de presidente do partido e a sua intenção de a elas concorrer. Os resultados talvez não justificassem a queda, mas certamente “justificariam” novos e crescentes ataques da oposição interna, que inevitavelmente acabariam por ferir ainda mais a sua liderança. Antecipando as eleições, Mendes romperia de uma vez por todas o colete-de-forças que tem aprisionado a sua condução política: se ganhasse, colocaria os opositores no seu devido lugar. Se perdesse, já não teria de os aturar, ficando livre para umas manhãs de bodyboard na praia do Guincho.

Desde essa noite que a comunicação social se tem entretido com as acusações mútuas de militantes laranja e cenários em torno de quem avança, quem apoia quem, e que razões têm os que preferiram ficar a assistir ao espectáculo pela televisão. Mas mais do que os nomes de quem se propõe liderar o PSD, seria bem mais útil discutir qual o caminho que o PSD deveria seguir, de forma a não só voltar ao poder, como a fazer qualquer coisa decente com ele.

Espaço vital
É comum ouvir-se dizer que é difícil fazer oposição a este Governo, por Sócrates estar a levar a cabo a “agenda da direita”. Não parece faltar quem pense que o Governo de Sócrates promove uma política “liberal”, que “rouba espaço” ao PSD. Na realidade, e ao contrário não só do que é dito, mas do que o próprio quer fazer crer, José Sócrates é tão socialista como os seus antecessores no PS.

Há tempos, no seu blogue Arte da Fuga, o habitual colaborador desta revista Adolfo Mesquita Nunes escrevia, a propósito da “reforma” da Administração Pública de que tanto se orgulha o Governo, palavras sensatas. As medidas de Sócrates “organizam a burocracia”. Mas continuam a atribuir-lhe o mesmo papel. Sócrates continua a achar que ela deve cumprir as mesmas funções. E de facto, tudo aquilo que este Governo tem levado a cabo, todas as “reformas corajosas” que tem feito, mais não são do que uma racionalização do “monstro”. Meros remendos daquilo que existe e não um corte com o estado em que está o Estado. Sócrates insiste que tudo aquilo que faz é “na defesa do Estado Social”. Ao contrário do que pensa o PCP e o BE, e imagino que parte do próprio PS, Sócrates não está a mentir. Sócrates conhece as inúmeras deficiências do Estado. Quer corrigi-las, porque quer que o Estado continue a desempenhar o papel que essas deficiências o impedem de cumprir de forma eficiente. Se esta é a política do PSD, se este é o “espaço” onde o PSD quer viver, o primeiro-ministro não lhe está a roubar qualquer “agenda”. Elas apenas não se distinguem.

Há, no entanto, um outro elemento que deve ser tido em conta, referido num artigo de Vasco Pulido Valente, publicado em 2006 no Público. O primeiro-ministro está de facto a roubar algo ao PSD: a imagem de que “faz”. A chave do sucesso eleitoral do PSD estava nessa imagem de “desembaraço” governativo. O Político Anteriormente Conhecido Como Durão Barroso assentou a sua campanha de 2002 nessa ideia de que, “quando as coisas estão más, as pessoas chamam o PSD” para reparar o “estrago“ feito pelo PS. Com a sua acção, e com a forma como propagandeia a sua acção, José Sócrates está a retirar ao PSD aquela que era a sua principal arma. Restará, portanto, uma hipótese ao PSD: apresentar uma política verdadeiramente alternativa à do PS, não se limitando a querer ser o “biscateiro” do regime, mas afirmando-se como o seu reformador. Propondo uma alternativa liberal ao estatismo hoje existente.

Para ser justo com Marques Mendes, houve na sua liderança alguns tímidos passos nesse sentido. O PSD percebeu, por exemplo, que o Estado não tem a capacidade de gerir o sistema educativo, e por isso propôs que as famílias tenham total liberdade para escolher a escola para os seus filhos, desaparecendo o condicionamento do local de residência ou trabalho dos pais, e que fosse dada maior liberdade a cada escola no desenvolvimento do seu programa educativo. Mas falta ao PSD dar o passo seguinte, e defender a adopção do “cheque-ensino”, seja ele universal, seja só para aqueles que por si sós não tenham meios para pagar o ingresso dos filhos numa escola. Falta ao PSD perceber e defender, por exemplo, que quando uma escola é financiada pelo Orçamento de Estado, a sua sobrevivência depende, não da satisfação daqueles a quem os seus serviços se destinam (os alunos e os seus pais), mas da satisfação do Ministério da Educação. Uma escola que recebe o seu dinheiro, o dinheiro que sustenta a sua actividade, directamente do Estado, não concentra a sua atenção na satisfação das exigências dos seus “clientes”, mas na satisfação das exigências do Estado. Mas se cada família puder decidir qual a escola que receberá o seu dinheiro (seja ele seu ou um cheque que o Estado lhe atribui), em vez de o entregar a um Estado centralizador que depois o distribui de acordo com o seu critério, ou sem critério algum, a escola que recebe esse dinheiro será obrigada a responder às exigências das famílias que lhe entregam esse dinheiro, sob pena de elas optarem por o entregar a uma escola concorrente.

Tal modelo, para além de responsabilizar a escola pelo seu programa educativo, teria ainda o mérito de responsabilizar também as famílias, que teriam de ajuizar se determinada escola vale o dinheiro que dão pelo serviço que ela presta. E o mesmo raciocínio deveria ser aplicado às restantes áreas governativas, defendendo o PSD políticas que, dando maior liberdade aos indivíduos, lhes dariam maior responsabilidade e mais poder.

Coligação de vontades
A pergunta que o leitor certamente coloca é a de quem votaria em tal programa? E a resposta mais sensata talvez seja a de que ninguém o faria. A relativa pobreza do país, que convida os nativos a guardarem o pouco que têm e não a correrem os riscos necessários para poderem passar a ter mais, parece ser suficiente para deitar por terra as pretensões de “liberalizar” o país. Mas com um pouco de coragem e habilidade políticas, talvez seja possível encontrar um eleitorado disposto a apoiar um PSD liberal. Há um conjunto de pessoas que estaria sempre disposto a votar em qualquer partido que pretenda emagrecer o Estado. Para pessoas que, como este vosso escriba, desconfiam da espécie humana ao ponto de quererem ser o menos possível governadas pelo seu semelhante, ou para “liberais clássicos”, que entendem ser o modelo liberal o mais adequado à natureza humana, tais propostas seriam sempre positivas. São poucas, é certo, mas outras poderiam juntar-se-lhes: “sociais-democratas”, no sentido tradicional do termo, pessoas que, acreditando na “justiça social” (e que é função do poder político obtê-la), se dispõem a apoiar as propostas que melhor lhes pareçam satisfazer tal pretensão. Para ser uma verdadeira alternativa ao PS, e assim regressar ao poder e exercê-lo em vez de ser seu refém, o PSD precisa de, adoptando um programa “liberalizante”, criar uma “coligação de vontades” que, indo da “direita” ao “centro-esquerda” (como o fizeram Sá Carneiro e Cavaco), concentre a sua campanha nesse “centro-esquerda”. E que o faça, não cedendo ao estatismo que esses eleitores tradicionalmente preferem, mas procurando mostrar-lhes como o liberalismo, mais do que o Estado Social a que se afeiçoaram, promove melhor a tal “justiça social” que desejam, promove melhor uma sociedade na qual não apenas eles, mas também o seu vizinho, poderão ter uma vida melhor.

No fundo, o PSD deverá adoptar um programa liberal e perguntar aos que não são liberais se será “justo”, por exemplo, que a classe média seja sufocada por impostos que a impedem de suportar encargos com os seus pais já reformados, obrigando assim o Estado a ocupar o seu lugar e, dessa forma, retirar a uma população activa cada vez mais diminuta uma parte cada vez maior do seu rendimento, para dar a um crescente número de seus dependentes um rendimento cada vez mais escasso? Será “justo” que uma parte cada vez maior da sociedade faça descontos para um sistema de pensões do qual sabe nunca poder vir a beneficiar? Será “justo” que, sob a ilusão de um SNS “tendencialmente gratuito”, se aumentem os custos individuais com o recurso a esse mesmo SNS? Será “justo” que, devido ao espartilho legislativo que sufoca o mercado de arrendamento, os jovens sejam praticamente obrigados a comprar uma casa e a contrair o endividamento eterno que a acompanha?

Deverá depois convencê-los de que é mais “justo” deixar o mercado funcionar, e “amparar” a queda dos que não tiverem a sorte ou a capacidade de serem bem sucedidos, do que, como no mercado da habitação, o Estado acabar por criar problemas mais graves do que aqueles que, com a sua intervenção, pretende resolver. De que é mais “justo” que sejam os doentes (e idealmente apenas os que não tiverem recursos suficientes para o fazer por si próprios) a serem financiados, em vez dos hospitais, de forma a que estes últimos deixem de depender do Ministério da Saúde e respondam às necessidades dos que a eles recorrem. De que é mais “justo” que os indivíduos tenham a liberdade de escolher a quem entregam as suas pensões, do que ficarem presos a um sistema condenado à falência. No fundo, de que uma sociedade mais livre será uma sociedade mais “justa”.

O PSD era tradicionalmente visto como um partido de pessoas que queriam subir na vida. Anos e anos de poder transformaram-no num partido de pessoas que querem manter o emprego público. Ao mesmo tempo, os portugueses foram sendo amarrados a um Estado Social que apenas garante o empobrecimento generalizado da população. Nenhum partido, excepto o PSD, os poderá libertar. E se é verdade que não o tem querido fazer, também parece ser cada vez mais verdadeira a ideia de que não lhe resta outra alternativa que não passar a querer. O líder do PSD, seja qual for o seu nome, terá de perceber isto, se quiser libertar o partido da letargia que o tem caracterizado e os portugueses do Estado que os sufoca. E terá de perceber que, ao contrário dos seus antecessores, terá de conduzir a opinião pública, em vez de ser conduzido por ela.
30
Dez07

2007 em revista

Atlântico
[Revista Atlântico de Fevereiro de 2007 . Nº 23]

fevereiroatlantico.jpgSem Título
Deus nos dê coragem

por Vítor Cunha
O medo dita o acto. No país do respeitinho as certezas paralisam. Ai que saudades dos maoístas: “Ousar lutar, ousar vencer”
1 Há uma vontade natural de julgamento definitivo do efémero e do presente. É por isso que nos enganamos. Permitimos que a emoção ou a razão das ideias se sobreponha à razão das coisas. O ano de 2006 foi de alguns enganos calculados e de outros surpreendentes. 2007, aguarda-se, será tempo de mais calma e menos exasperação.
Os destinos da Pátria estão nas mãos de dois homens singulares e deles se espera muito, sabendo nós por antecipação que não são homens de grandes rupturas nem ideias novas. Aníbal Cavaco Silva ficará como o político da normalização democrática conseguida pela estabilidade de políticas e pela garantia de competência e seriedade. Admite-se que ninguém o verá como o revolucionário que liderou movimentos de descontinuidade ou propôs mudanças de paradigma. Com ele, acima de tudo, conquistou-se a certeza institucional. Primeiro nos dez anos de governo, agora em dez anos de presidência.

[Os nove que ainda faltam não trarão surpresas, porque o presidente não gosta delas e não sabe viver com elas.]

José Sócrates é um homem de sorte. Cavaco Silva é o presidente ideal: percebe bem o clima macro e não é capaz de deslealdades ou birras, como outros mais maduros, mais interessantes, mas menos consistentes. E mesmo quando quiser afirmar a sua autonomia estratégica, Cavaco não beliscará o seu modelo de “cooperação”.

Ainda é cedo para avaliar o governo deste PS de agora. Até 2009 temos um campo minado pela frente; não sabemos se a economia cresce, se os impostos descem, se a erosão do poder molesta muito ou pouco. Mas, até agora, e com os dados que vamos tendo, sabemos que o PS tem condições para repetir a maioria absoluta. Nestes dias esta certeza atravessa a sociedade, dita as manobras partidárias, as opções dos empresários e as expectativas de quem assiste da bancada ou do balneário. Este tipo de certeza, a prazo, mata. Porque é fundada no medo e na ausência de pensamento próprio estabilizado.

2 Bancada, balneário. Os leitores da Atlântico não merecem linguagem de taberna, mas não vejo melhor para a circunstância. O país está poluído de treinadores de bancada e de jogadores que não arriscam sair do balneário. No poder ou na oposição, à Esquerda e à Direita. Criou-se um dicionário comportamental que todos seguem, como se “realmente” tivesse que ser assim. O pequeno cálculo matreiro é mais valorizado que o risco. Veja-se o “caso Nuno Melo”: o deputado disse o que pensava e acabou crucificado porque alguém inventou que o líder parlamentar deve obediência ao dono da direcção. Mesmo aqueles que sabem – e dizem no conforto do anonimato – que a direcção do CDS é pouco eficaz, não perderam tempo a criticar. O medo é um agente terrível.

3 – Por falar em CDS: a actual direcção política merece ser preservada e devia levar o partido às eleições legislativas de 2009. Merece, pelo esforço. Há muitos anos que defendo um único partido na Direita e no Centro. Ribeiro e Castro, e as evidências não mentem, tem dado um bom contributo para esse fim. Todos sabemos que não é fácil, mas não é impossível. O sector mais jovem e liberal do CDS devia unir-se por Castro e obrigá-lo a resolver um problema sério que o CDS tem: um partido pequeno de mais para tantas ambições. Mas como têm medo de sair ou de extinguir a agremiação, vão ficando.

4 – A agenda política do país é inteiramente dominada pelo Governo e pelo primeiro-ministro. José Sócrates é um político transparente e sério: tem um programa e aplica-o da melhor forma que sabe e pode (às vezes com o sofrimento próprio de quem tem de carregar ao colo alguns seres menos dotados para a governação). Pode não gostar-se do estilo, das políticas ou até das suas gravatas, mas tem de reconhecer-se que o PM se mantém fiel ao plano.

Dos outros lados, das oposições, chegam-nos gritos, lamentos, contradições, mentiras e muita demagogia. Se fizermos um exercício sumário e perguntarmos quais os contributos válidos e substantivos do PCP, do BE, do PSD e do CDS para o país desde as eleições legislativas de 2005, facilmente concluiremos que aqueles partidos não mereceram os votos que tiveram. E é este facto que está a ditar o sucesso provisório do governo: os portugueses aguentam o “reformismo” do momento porque não conhecem outro. E agora é a minha vez de ter medo: mais seis anos “disto” (até 2013) não trarão nada de bom, porque nenhum corpo aguenta tanta dormência.

5 – No essencial, a obra deste governo tem consistido na reforma do Estado Social. É uma boa receita para garantir uma certa paz, mas não conseguimos antecipar a magnitude dos resultados. Sabemos, também, que há uma agenda alternativa, mas não conhecemos quem a defenda: é o impasse do medo, do medo de mudar e do medo de assumir.
30
Dez07

2007 em revista

Atlântico
[Revista Atlântico de Junho de 2007 . Nº 27]

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Europália 
As lições de Sarkozy
por João Marques de Almeida
O que nos disseram as eleições francesas sobre o estado das direitas e das esquerdas na Europa? Nicolas Sarkozy demonstrou que as eleições não se ganham ao ‘centro’. Ganham-se unindo a direita
As eleições presidenciais em França foram mais do que eleições francesas. Não me refiro às implicações para a política europeia de Paris e às respectivas consequências para a Europa. O ponto que interessa analisar aqui é o que as eleições francesas nos disseram sobre o estado das direitas e das esquerdas na Europa, assim como o impacto dos resultados nas respectivas famílias políticas.

Há uma questão preliminar que é importante chamar à atenção. A crescente proximidade entre os diferentes partidos nacionais das várias famílias políticas é um dos efeitos mais relevantes da integração europeia e, simultaneamente, dos menos estudados. As direitas e as esquerdas europeias também se estão a integrar (e aqui o Parlamento Europeu tem um papel decisivo). A integração ocorre a dois níveis. Por um lado, no plano ideológico e doutrinal. A “terceira via” foi um exemplo recente, na área do centro-esquerda. Por outro lado, no plano da identidade e da solidariedade política. Décadas de democracia e de competição política entre partidos das esquerdas e das direitas moldam as identidades políticas dos líderes europeus. E, obviamente, a institucionalização das famílias políticas europeias ajudam a consolidar essas identidades. Os sentimentos de partilha de valores e de interesses com os outros partidos da mesma família política, e mesmo a tendência de homogenização de doutrinas, são cada vez mais fortes. Além disso, a normalidade democrática, juntamente com a integração europeia, transforma os partidos das outras famílias políticas nos principais adversários.
Aliás, este antagonismo está a tornar-se no segundo factor de identidade política na Europa, a seguir ao nacionalismo.

Ainda não tem a mesma influência, mas vai aproximando-se. Hoje, os líderes políticos europeus passam muito mais tempo em debates, em discussões e em competições com rivais de outros partidos, mas da mesma nacionalidade, do que com adversários de outras nacionalidades. Pode-se falar cada vez mais de direitas e esquerdas europeias; e de competição entre elas, e não apenas entre nações.

É neste contexto que se deve discutir as lições da vitória de Sarkozy. A primeira lição foi a afirmação clara do candidato de que pertence à direita, logo no discurso de apresentação da candidatura em Janeiro. Não se escondeu atrás do “centro”. Disse donde vinha, o que defende e onde está politicamente. De resto, o discurso é um exemplo de clarificação de um projecto político. Esta afirmação foi decisiva para a sua vitória. Os eleitores gostam de identidades claras. Vêm nisso um sinal de força política e estão dispostos a seguir os líderes fortes, principalmente em tempos de incertezas. Foi assim que Sarkozy mobilizou e uniu, desde o início, as várias direitas francesas. A afirmação, e não a ambiguidade, é a mãe dos grandes triunfos políticos. O resultado foi uma votação acima dos 30% na primeira volta, uma das mais altas de sempre da história das eleições em França, e cinco pontos de avanço em relação à candidata socialista. A partir daí, só um desastre, ou sinais de grande fraqueza é que poderiam evitar a eleição de Nicolas Sarkozy, como de resto reconheceram os próprios socialistas, depois da segunda volta. E Sarkozy poderia ter fraquejado. Após a primeira volta, a maioria dos analistas afirmou, sem hesitações, que o eleitorado de Bayrou, o “candidato do centro”, seria a chave para a vitória. A tentação de muitos poderia ser a “viragem para o centro”, ao encontro dos 18% de eleitores centristas. Foi aliás o que fez a candidata socialista. Sarkozy resistiu à tentação e fez o oposto. Manteve o seu discurso, preservando a mobilização do seu eleitorado, e “obrigou” parte do “centro” a ir para a direita, aceitando o mérito das suas propostas. Ao contrário do que muitos dizem, Sarkozy demonstrou que as eleições não se ganham ao “centro”. Ele ganhou-as unindo a direita e convencendo uma margem importante do eleitorado do “centro”. Esta é a segunda lição da sua vitória.

Mas há ainda uma terceira lição. Para se seguir a estratégia de Sarkozy, é necessário algumas qualidades. Antes de mais, a coragem daqueles que têm mais vontade de ganhar do que medo de perder; e orgulho nas suas ideias e na sua identidade política. O orgulho e a afirmação dão força e mobilizam. A ambiguidade enfraquece e dispersa. Mesmo quando se conseguem maiorias, elas desfazem-se às primeiras contrariedades. Sarkozy não se limitou a ganhar. Ganhou com 85% dos franceses a votar. Tinha toda a razão quando disse, “comigo vai ganhar a maioria silenciosa”.

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