Reler Paulo Tunhas na Atlântico de Março
Numa altura em que a formidável regressão islâmica, na sua dedicação ao ódio e no seu aplauso à morte, dá a pior imagem possível da crença religiosa, conforta constatar que não tem de ser sempre assim. Aquilo que aprendemos a apreciar – a bondade, a inteligência, o amor, o desejo de liberdade e de melhor viver – tem guarida noutras crenças. Como prova a encíclica Deus caritas est de Bento XVI
por Paulo Tunhas
Permito-me começar por uma pergunta interesseira. Pode um ateu, filho de pais ateus e, muito coerentemente, não baptizado, admirar a encíclica Deus caritas est de Bento XVI? Resposta. Pode perfeitamente, e acrescentaria mesmo: deve.
Porquê? Porque se trata de uma excelente meditação sobre a época actual, uma época, como é dito na Introdução, em que “ao nome de Deus se associa por vezes a vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência”. E a utilidade da sua leitura não vem apenas da finura de espírito de Joseph Ratzinger, conhecida de quem quer que o tenha lido antes. Claro que ajuda imenso. Mas vem também da prova concludente que oferece de um facto que, sendo simples e banal, os tempos militantemente se encarregam de obscurecer: a religião pode ser um veículo de sabedoria (é, apesar de tudo, a palavra que convém), e, nessa sabedoria, ou na busca dela, crentes e não-crentes podem encontrar-se. Não se trata de atenuar sentimentos anticlericais patetas e muito sobreviventes até, ignorantes de si, sob vestes de respeito e afectos ecuménicos. Trata-se mesmo da constatação da possibilidade de um encontro, e isso, particularmente nestes dias, aquece o coração.