Ou seja, tendo criado hoje um grande dramatismo em torno do novo Estatuto dos Açores, Cavaco pretende não só avisar os portugueses daquilo que não está disposto a aceitar, mas também criar as condições para que, caso o PS queira ignorar a opinião presidencial, Cavaco tenha toda a margem de manobra para os impedir: dissolver a Assembleia sob o pretexto de que esta pretende introduzir medidas que afectarão o “regular funcionamento das instituições”.
Há uma diferença entre este novo Estatuto dos Açores e as palavras de menosprezo de Jardim relativamente à Assembleia Regional da Madeira. É que este Estatuto que, de acordo com Cavaco Silva, fere a Constituição, nasceu no Parlamento. Num orgão de soberania que está par a par com o Presidente da República.
Mas há um sinal muito mais importante que esta pequena novela açoriana e que marcará os tempos mais próximos: Cavaco está atento. Nas matérias que julga importantes não se coíbe de dizer o que pensa. De fazer o que entende ser o seu dever. Cavaco é um presidente eleito por voto universal que não se escusa ao exercício do seu poder.
Em 2009, dificilmente algum partido terá, sozinho, maioria absoluta. Cavaco já o percebeu. Já nos deu os sinais e agirá quando for preciso e conforme as necessidades.
O semi-presidencialismo tem destas coisas. É algo incerto e periclitante. Quem assim o quis, não se queixe.
Antes do Alentejo, uma conversa sobre Jazz com Sérgio Gouveia:
Sérgio Gouveia: «Gosto de quem pára como suponho que te tenha acontecido, algures pelo jazz modal, fins dos 50, por aí. Posso estar enganado e talvez, como o JPC gosta de dizer, nem tenhas passado de 39 e do bebop, mas não me pareceu. É normalmente por onde eu ando. Entre o Coleman Hawkins quando 'inventou' o saxofone, e pelos últimos discos ainda modais do Coltrane. Digamos que gostava de ter ouvido rádio entre 1930 e 1960.»
Eu (a.k.a. bestazinha): «Ouço cada CD até à insanidade. Já recebi queixas por os deixar a tocar semanas e semanas a fio no carro. Digo-lhe: basta-me menos de uma dezena de discos por ano. Ouço sempre o mesmo e quase só Jazz. E ao ritmo a que eu os ouço devo demorar uma década a ouvir cada década.»
Sérgio Gouveia: «Uma vez lá é mesmo difícil perceber como ouvir outro género qualquer. Torna-se chato. O que é que vai substituir o balanço, e o offbeat, aquela coisa tão orgânica? Embora acabe sempre nos mesmos discos, e às vezes temas, comigo foi um pouco diferente. Quis sempre ter tudo. Tudo do Miles Davis, tudo do Ellington, tudo do Charlie Parker e do Gillespie, e chegava a ter, por vezes. Mas o que ouvia e ouço acaba por se limitar ao mesmo de há anos atrás.
A certa altura achei que devia combater a minha falta de talento e ir para a escola do Hot Clube, aprender contrabaixo. Isto não é nenhuma falsa modéstia, é mesmo um ouvido muito mau, dedos pouco ágeis e coordenação motora sofrível. Ainda assim descobri exactamente o que tinha esperança ser verdade: é possível com muitas horas de trabalho um cepo tornar-se um músico medíocre e saber mais ou menos o que está a fazer. Lamentavelmente já eu tinha um emprego chato e uma licenciatura tirada igualmente sem grande razão. Isto foi com 28 anos. Agora tenho 32, desisti no fim do segundo porque já não tinha dinheiro para pagar aquilo. Mas valeu pelo que de lá tirei e descobrir que por mais que eu acredite que o jazz se aprende nas caves, num palco, também é possível ensiná-lo de alguma forma em salas de aula.
O mais comovente eram as aulas de História com o Bernardo Moreira, um fundador do Hot Clube com uns 70 e poucos anos e que viu os discos a serem lançados. Insultava-me bastante, sempre com razão. A certa altura divagava o homem por harmonias diatónicas e de como uma melodia em tom menor poderia estar encaixada numa harmonia em tom maior (estou a inventar) e pergunta-me 'acha isto possível?', ao que respondi que sim e o homem grita-me que eu acho que sim porque sou um crédulo, mas que não faço ideia se acho ou não que sim. E voltou a dizer com segurança "Crédulo!". Sempre que me insultava, no entanto, emprestava-me um ou dois discos no fim, para me explicar o que queria dizer. Aliás o que este homem passava para fazer os miudos ouvirem os discos. Quase todos eles tinham menos de 20 anos e 85% naquele ano estavam a aprender guitarra o que enfurecia naturalmente o Bernardo Moreira (que chegava a oferecer metade da propina - 850 € por semestre - a quem mudasse para trombone. Oferecia a propina e um trombone!).
A juntar a isto tinha as histórias do hot clube. Diz ele que foi tocar contrabaixo porque era mau musico e porque ninguem ia para contrabaixo, o que lhe serviu para tocar com toda a gente, e ser necessário em toda a parte. Ou que nos anos 40 o Hot era apenas um sítio onde os gajos se juntavam a ouvir discos. Ouviram tantas vezes os mesmos que quando alguem trazia algo novo faziam blindfold tests, adivinhando cada um dos músicos de um tema de ouvido. Segundo ele havia um tipo que identificava o estúdio onde foi gravado o álbum porque sabia distinguir entre pianos (e na altura cada estúdio tinha um piano apenas). Claro que nunca me interessou saber se alguma destas histórias era ou não verdade. Ou ainda como o Villas-Boas, que trabalhava no aeroporto, verificava as listas de passageiros de todos os vôos de Nova Iorque para Paris que faziam aqui escala por uma noite e caso encontrasse um nome que conhecesse convencia-o a vir ao Hot tocar. E se não estivesse lá tinha dado instruções a todos os colegas para o caso de algum preto lhes perguntar onde se podia fazer uma jam em Lisboa. Conseguiu assim ter a tocar em jam sessions com eles o Dexter Gordon, o Horace Silver e outros de quem os nomes esqueço sempre. Se andares por estes lados a uma terça-feira não deixes de ir lá. Às vezes tem-se sorte.»
Parece que Napoleão Bonaparte preferia generais com sorte a bons generais. Sócrates é o melhor exemplo disso. Não bastava ter uma oposição inexistente à direita que entre comentários infelizes sobre cancros, rezas para que a situação económica se deteriore e análises psicológicas profundas acerca do poder dos blogs e dos secretários de Estado, vai mostrando que a estratégia do populismo silencioso está condenada ao fracasso, vem agora o BE mostrar – se mais provas fossem necessárias - que não é uma força política que se possa levar a sério.
O episódio Sá Fernandes vem, mais uma vez, lembrar que o BE apenas conhece a lógica do protesto pelo protesto e que não está minimamente interessado em colaborar em qualquer proposta de governação seja ela qual for. No fundo, o BE é uma espécie de partido anarquista de terceira geração: “há poder? Somos contra”.
O BE parecia ter uma proposta diferente, que iria arriscar o poder, que iria testar as suas propostas, afinal é apenas mais conjunto de rapazes com saudades do PREC e que, pelos vistos, nada aprenderam com ele.