Como é?
29/09/08 - 15h46 - Atualizado em 29/09/08 - 15h51
Lula sanciona reforma ortográfica
Novas regras passam a valer a partir de 2009. Confira o que muda na língua escrita.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (29) o decreto que estabelece a reforma ortográfica. As mudanças na escrita começam a valer a partir de 1º de janeiro de 2009. A solenidade ocorreu na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro.
A reforma da ortografia pretende unificar o registro escrito nos oito países que falam português - Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal.
De 2009 até 31 de dezembro de 2012, ou seja, durante quatro anos, o país terá um período de transição, no qual ficam valendo tanto a ortografia atual quanto as novas regras. Assim, concursos e vestibulares deverão aceitar as duas formas de escrita – a atual e a nova.
Nos livros escolares, a incorporação das mudanças será obrigatória a partir de 2010. Em 2009, podem circular livros tanto na atual quanto na nova ortografia.
O que muda na escrita
De acordo com especialistas, 0,45% das palavras brasileiras sofrerão alterações, ao passo que em Portugal haverá mudanças em 1,6% dos vocábulos. As regras que mudam são as seguintes:
Novas letras – há a incorporação do “k”, do “w” e do “y” ao alfabeto. O número de letras passa de 23 para 26.
Trema – deixa de existir. A grafia passa a ser: linguiça e frequente.
Acentos diferenciais – serão suprimidos acentos como o de “pára”, do verbo parar.
Acentos agudos de ditongos – somem os acentos de palavras como “idéia”, que vira “ideia”.
Acento circunflexo – somem os acentos de “vôo” ou de “crêem”.
Hífen – palavras começadas por “r” ou “s” não levarão mais hífen, como em anti-semita (ficará “antissemita”) ou em contra-regra (ficará contrarregra).
Pontos em aberto
O acordo não define todos os usos de hífens, por exemplo. Assim, palavras como pé-de-cabra, ainda não têm o rumo certo e dependem da elaboração de um vocabulário pela Academia Brasileira de Letras e pelos órgãos dos outros sete países signatários.
História do acordo
O acordo ortográfico da língua portuguesa foi assinado em Lisboa em 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994, o que não se concretizou. Em 1998, foi assinado em Cabo Verde um protocolo que modificava a data de vigência, que foi ratificado em 2002.
Sem que as mudanças se aplicassem, em 2004 foi assinado um novo protocolo modificativo, que previa a adesão do Timor Leste, independente desde 2002. Este novo protocolo previa que as mudanças na ortografia entrariam em vigor a partir da assinatura de três países.
O acordo ortográfico já foi ratificado por Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Portugal, e, portanto, pode entrar em vigor. O processo de implementação em cada país pode variar.
Em Portugal, o acordo foi aprovado em maio e a nova ortografia deverá ser obrigatória dentro de seis anos.
Em muitos assuntos que desconheço tendo a partilhar a opinião de gente que admiro e é versado no tema. Em outros, mesmo que eu não seja um profundo conhecedor do objeto em discussão, o entorno do debate permite uma avaliação mais ampla. Se me pedirem uma opinião sobre questões filológicas serei obrigado a recusar polidamente o desafio; se me vejo defrontado com uma decisão sobre minha língua materna o debate pode ser conduzido com instrumentos de análise muito mais amplos do que meros aspectos técnicos. O famigerado acordo ortográfico viola pela arbitrariedade; incomoda pela pretensão; irrita pelo descabimento.
Quais são, afinal, os argumentos favoráveis ao acordo? “Unificar o registro escrito nos oito países que falam português - Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal”. Para quê? Para facilitar a circulação de conhecimento? Para permitir que indivíduos dos países luso possam se comunicar pela via escrita da mesma forma? Há vários outros circulando por aí, um dos quais fazer com que o português se torne língua oficial de organização internacionais como a ONU.
Algumas questões se põem: um brasileiro alfabetizado não consegue ler um texto escrito em Portugal? Um português alfabetizado não consegue ler os livros produzidos no Brasil? Um diplomata brasileiro não consegue entender seu colega português? Percebam que transfiro a discussão do âmbito técnico para o da responsabilização individual. Se os brasileiros e portugueses que sabem ler não conseguem ler uns aos outros o problema está na ortografia? Alguém pode perguntar: “mas o acordo não se refere mais à elaboração de textos do que propriamente sua leitura?” Uma coisa, evidentemente, depende da outra.
Dar-lhes-ei um exemplo de uma diferença de grafia: fato (ação ou coisa que se considera feita, ocorrida ou em processo de realização) em Portugal diz-se e escreve-se facto. Se algum português disser fato está se referindo ao nosso brasileiro terno (traje masculino, composto de paletó, calças e, ocasionalmente, colete, do mesmo tecido e cor). Ma se forem ao dicionário de português do Brasil verão que fato (sem a letra C) também tem o mesmo significado usado em Portugal. E que terno também pode significar sentimentos afetuosos, grupo, numeroso ou não, de pessoas (regionalismo de Minas Gerais) e conjunto das juntas de bois da carreta (regionalismo do Sul do Brasil).
O que se quer é uma abjeta padronização de uma língua de forma autoritária; o que se faz de forma débil é tirar das palavras o maravilhoso patrimônio de significados. A mensagem que chega até às pessoas é: “sejam burras que nós damos um jeito”. E completo, furtando as palavras do Vasco Graça Moura, também acho que “a aplicação do Acordo não levará apenas ao caos no ensino nos oito países. Levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano internacional“.
Num texto irretocável na Folha de S. Paulo (só assinantes) de domingo João Pereira Coutinho é certeiro:
A língua é produto de uma história; e não foi apenas Portugal e o Brasil que tiveram a sua história, apresentando variações fonéticas, lexicais ou sintácticas; a África, Macau, Timor e Goa, que os sábios do acordo ignoram nas suas maquinações racionalistas, também têm direito a usar e a abusar da língua. Quem disse que o português do Brasil é superior, ou inferior, ao português falado e escrito em Luanda, Maputo ou Dili?
Meu princípio filosófico: a pluralidade é um valor que deve ser estudado e respeitado. Não me incomoda que os brasileiros escrevam “ator” e “ceticismo” sem usarem o “c” ou o “p” dos lusos. Quando leio tais palavras, sei a origem delas; sinto o sabor tropical em que foram forjadas.
Mas exijo respeito. Exijo que respeitem o “actor” português e o “cepticismo” luso com o “c” e o “p” que o Brasil elimina.
Quando as palavras são esvaziadas e a língua passa a ser tratada como uma peça de automóvel corremos o risco de pedir respeito e isso não significar absolutamente nada.
PS: Lula assinando um acordo ortográfico é a nota final dessa tragédia transatlântica.