10
Out08
Até quando?
Paulo Tunhas
Da última vez que tinha escrito neste blog, várias coisas não tinham acontecido:
- Eu não era a pessoa mais feliz do mundo;
- O computador “Magalhães” (inexplicavelmente não apelidado Magellan) não tinha ainda sido distribuído ao povo, nem eu tinha ouvido falar dele;
- O Primeiro-Ministro, Didáctico Máximo, não tinha chamado “covarde” a José Manuel Fernandes, numa prosa esquisitíssima (quem a leu, pensou no estilo?), aproveitando-se de um erro (o enésimo) de Azeredo Lopes (o homem da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, se me lembro bem);
- Pedro Passos Coelho não tinha ainda tido uma ideia (sobre quê?) noticiada no Público;
- Mário Soares não tinha decidido ser Mário Soares de novo, ultrapassando-se; e não tinham cortado dez minutos a Marcelo Rebelo de Sousa;
- A Carla Hilário Quevedo não tinha lido a Spoon River Anthology de Edgar Lee Masters;
- O maradona não se tinha rido com o O valente soldado Schweik;
- A crise actual.
Naturalmente – omito o ponto 1, porque guardo alguma decência - que os pontos 2 e 3 não me incomodam nada: são fatalidades. (Salto o 4, porque os mistérios são misteriosos, e o 5 vá lá Deus saber por quê.) Com os 6 e 7 rejubilo, apesar de inquietações menores. Fico muito contente com o desfecho do ponto 6, e permito-me aconselhar ao maradona (visado no ponto 7) a leitura de um qualquer capítulo com o Feldkurat do Schweik (aconselho igualmente qualquer dos últimos do Lucky Jim do Kingsley Amis – e, já agora, o Everyday Drinking).
O problema é o ponto 8, um problema a sério. Vivo, desde há dois anos - em intervalos infelizes de Itália, longuíssimos -, numa zona do Porto que dantes era pacata e razoavelmente burguesa (a “Rotunda da Boavista”). Agora é popular - e está certo (é por isso que eu posso viver onde vivo). Acontece que, palpavelmente, se sente aqui a degradação dos tempos. A maior concentração do mundo de aleijadinhos – manetas e pernetas (em francês diz-se culs de jatte, o que é óptimo) – não indispõe (a mim não me indispõe). A agressividade de quem pede, sim (a iminência da violência física agride). E vai aumentando. Uma amiga minha anti-capitalista grega diz-me, de longe de mais para os meus desejos, que a culpa é do “mercado livre” (eu falo-lhe do socialismo feliz, e do querido Gulag, e ela diz para eu não ser idiota). Pessoalmente, não tenho doutrina. Mas sinto a violência das coisas, para além do banal espectáculo dos bêbados caídos na calçada coberta de escarros, ao qual me habituei, mesmo quando perdem os sentidos no meio da rua e os carros têm que fazer fila para se desviarem. É que, dia após dia, a degradação é maior. Dou um exemplo a sério: quando o pedinte vem ter connosco, cada vez se torna mais indistinguível o estender a mão da agressão. Vai piorar. Pedir vai parecer-se cada vez mais com agredir; e, depois, com roubar.
Por enquanto, aguento a coisa com toda a paz do mundo. Eu e eles, os pedintes, meus irmãos. Percebo-os, e espero que me percebam. Até quando? Até não muito, aposto.