Ser ou não ser inteligente
As campanhas para as presidenciais americanas tiveram o seu lado stinky e que, para mim, lhe retirou qualquer aura bonita que o resultado pudesse prometer. Estou, claro, a falar da forma como foram tratadas as mulheres envolvidas nesta campanha. Começou tudo com a Hillary, depois da derrota de Hillary concentraram-se por um pequeno período de tempo em Michelle Obama e, por fim, houve o banquete com a Sarah Palin, chegando-se ao extremo abjecto de se dizer que Palin tinha sido escolhida apenas porque não tinha feito um aborto (dito por uma mulher, como só podia, e com evidente incómodo pela existência de Trig Palin, sentimento partilhado por muita boa consciência liberal nos últimos meses nos Estados Unidos).
Não quero aqui estar a verter fel sobre todos as invenções, sugestões mentirosas e mesquinhices que se escreveram sobre Sarah Palin, sobre as acusações de "diva", sobre a cobertura do Troopergate e do resultado, como se fosse verdade revelada, do inquérito da comissão composta por inimigos políticos de Palin, etc., etc.. Contudo há uma acusação que se lhe fez (durante a campanha pelos opositores e depois da campanha pelos estrategas republicanos) que aprofunda a minha perplexidade, a saber, a da ignorância de Palin (não apenas consubstanciada nos disparates africanos e naftianos) e do seu mais que duvidoso calibre intelectual. Bem, é certo que todas as pessoas que se queixam da inteligência de galinha da Palin apreciam o ar circunspecto de Obama, personagem incapaz de uma piada sobre si próprio (cruz, credo, que ele é demasiado inteligente, esclarecido, iluminado para ser objecto de humor), com uma fé insuperável (para mim, preocupante) nas suas próprias habilitações e sem pinga de humildade. Logo, desconfiemos.
Não sei se é pela utilização de expressões como "Joe Six Packs" ou "palling around with terrorists" ou outros inúmeros exemplos de coloquialismos usados por Palin. Porque a informalidade e o humor (mesmo que não bem sucedido) são atributos que qualquer americanos saudável promove. É sintoma de que está à beira de um ataque de nervos um americano que numa conversa de trinta minutos não tentar pelos menos uma piada. Também não pode ser pela curta experiência política, uma vez que Palin tem taxas de aprovação no Alaska de 80%, é boa a promover consensos (tem governado com apoio dos republicanos moderados e dos democratas - e lá se vai a acusação de radicalismo político), tem experiência em política energética e, enfim, tem moldado uma carreira política de sucesso com tremendo potencial (mesmo que sim, concedo, não estivesse preparada para ser VP a 20 de Janeiro). Por fim, não pode ser devido a ausência de ideias, já que Palin defende (basta ouvi-la) um Estado pequeno, que não tolha a iniciativa individual e que não pretenda resolver os todos os problemas de todas as pessoas, a responsabilidade individual, impostos baixos, despesa pública controlada, limites ao estado federal, entre outras boas ideias que não me importava nada de ouvir defender em Portugal. Um exemplo. Durante a campanha e no turbilhão de Setembro, Palin, além das boas propostas energéticas, foi a única dos quatro candidatos que aludiu ao facto da Fannie Mae e Freddie Mac serem "quasi-government" como causa da crise do subprime e subsequente crise financeira; na reunião dos governadores republicanos Palin também referiu que, além dos predatory lenders, os consumidores haviam sido culpados por adquirirem casas que não podiam pagar. Sim, a Palin foi a única dos dois pares de candidatos que referiu parte das causas efectivas da crise actual; até John McCain afirmou que tudo se devia à ganância de Wall Street. Curiosamente, Palin foi considerada como a mais incapaz para lidar com a situação financeira.
Para mim esta crítica de burrice (para sermos claros) é pura snobeira. Da parte da elite Ivy League americana que rotula de ignorante qualquer um que não venha das suas fileiras e que não se submeta ao seu escrutínio. Que confia exclusivamente no seu percurso académico como ingrediente para o prestígio pessoal. Que confunde conhecimentos com sabedoria, bom-senso, determinação, ética, capacidade de liderança que são, essas sim, as qualidades necessárias para um líder; quem as tiver rapidamente adquire os conhecimentos de que necessita.
Estas acusações de burrice aos líderes republicanos não é nova. Reagan era um cowboy, um mau actor, um pateta alegre que nunca chegou a perceber bem essa coisa da governação e cujo melhor momento foi as graçolas que proferiu pouco depois do atentado sofrido. Era a visão do momento e ainda persiste em alguma mentes bem inteligentes, muito informadas e que ninguém disputará que terão um QI superior à média dos políticos, professoras na Ivy League e que até constroiem novas teorias brilhantes sobre as trocas internacionais. Pois é, estou a referir-me ao Paul Krugman, esse expoente de tudo quanto é bom, límpido e cristalino. De resto, até proponho que Krugman seja imediatamente aclamado déspota iluminado do mundo. E nem imaginam o pesar que eu sinto por termos tido um tolinho como Reagan na Casa Branca nos anos oitenta em vez de alguém verdadeiramente inteligente, com evidente calibre intelectual, com reputação académica como, por exemplo, Paul Krugman.